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Leonardo Sakamoto

Empreiteiras: o combate à corrupção deveria ser apenas o começo

Leonardo Sakamoto

15/11/2014 11h16

Não compartilho do mesmo orgasmo que alguns colegas tiveram ao ver pessoas da cúpula de grandes empresas da construção civil sendo presas, no curso da operação Lava Jato, pelo mesmo motivo que não faço festa quando isso acontece com quem utiliza trabalho escravo (o que, diga-se de passagem, é tão raro quanto gestor de empreiteira) ou com quem realiza furtos de menor valor. Pois é triste que estejamos em um estágio civilizatório que o encarceramento ainda se faça necessário.

Mas se não compartilho do prazer prisional, fico aliviado em ver que, às vezes – e somente às vezes – a lei vale para todos. Particularmente, quero esperar para ver se o processo não será engavetado e as prisões de quem detém poder econômico anuladas – como tem ocorrido com empreiteiras e outros doadores de campanha. E se todos os políticos envolvidos serão efetivamente punidos, independentemente do partido a que pertençam, governo ou oposição.

Momentos como este, mais do que uma catarse coletiva ou um show de pirotecnia, devem servir para darmos saltos como sociedade. Além de consolidar a proibição de doações de campanha por parte de empresas, seria fundamental avançarmos com a responsabilização criminal de pessoas jurídicas e não apenas de seus representantes. Tirar alguns CNPJs de circulação, por exemplo.

Adoraria, contudo, que a mesma atenção que é dada (muito bissextamente, é claro) à relação entre políticos e empreiteiras em casos de corrupção também valesse para outras áreas.

A histórica incompetência, leniência ou má fé do poder público (do PT ao PSDB) quanto ao setor tem comprometido a qualidade de vida de comunidades tradicionais em grandes obras de engenharia (rodovias, ferrovias, hidrelétricas e demais rolo-compressores feitos sem o devido planejamento e consulta pública), a dignidade de trabalhadores na construção de casas, apartamentos e centros empresariais (trabalho escravo já foi encontrado no "Minha Casa, Minha Vida", do governo federal, e em obras da CDHU, do governo paulista), isso sem falar no fato de que a construção civil é um dos principais vetores do desmatamento da Amazônia (você acha que a madeira da floresta vai virar, preferencialmente, mesa de jantar na sala de europeu? Sabe de nada, inocente!).

Indignar-se com corrupção é fundamental, mas fácil. Quero ver é aproveitarmos esse momento para aplicarmos mecanismos a fim de combater a cesta de tragédias causadas pela liberdade dada ao cimento e à cal no Brasil.

Que, executando uma visão messiânica de progresso elaborada pelo Estado em conjunto com o mercado, maltrata quem vive à margem dos direitos em nome do "bem estar" do restante da sociedade.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.