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Leonardo Sakamoto

Enquanto isso, em um futuro não muito distante em São Paulo

Leonardo Sakamoto

20/01/2015 07h47

– Fodeu.

– Fodeu o quê? Fodeu quem? Quem tá falando?

– Dilma, é o Geraldo.

– Geraldo, como é que você tem o número desse celular?

– Consegui com uns procuradores do Paraná, história longa… Mas o que importa é que vamos ter que evacuar metade de São Paulo.

– Mas… hein?

– Can-ta-rei-ra. Sem água. Mais de uma semana. Não tem de onde tirar. Baby wipes também já sumiram nas gôndolas dos supermercados. Ontem, um exército de pessoas munidas de toalhas tentou derrubar os portões aqui do Palácio dos Bandeirantes porque descobriu que a gente é atendido pelo sistema Guarapiranga, que ainda tem água. Exigem banho.

– Geraldo, eu te disse que esse negócio de ficar negando que a cidade estava secando não ia dar certo, não te disse? Faltou planejamento, querido, faltou fazer mais reservatórios, interligar sistemas, comunicar à população…

– Ah, vai jogar na cara agora? Vai tripudiar, é?

– Mas eu te disse.

– Se é assim, então responde: por que a cidade está parecendo um pisca-pisca de Natal? Quando "acende" um bairro apaga outro.

– Veja bem… No que se refere à falta de energia, eu digo… E-ner-gi-a… O Pronatec…

– Dilma, como assim?

– Esquece, força do hábito… E eu tenho culpa que o povaréu está comprando ar condicionado no crediário mesmo com o Levy arrepiando nos juros?

– Tá vendo! Não fui apenas eu que dei uma de João-sem-braço! Você baixou o preço da energia e incentivou o consumo, dizendo que estava tudo bem, que podia comprar, que o país aguentava. Até indicou um ministro de Ciência e Tecnologia que não acredita lá muito em aquecimento global…

– Olha, Geraldo, a gente tentou expulsar índios e outros moradores de suas terras para construir usinas hidrelétricas, como vocês, mas eles não arredam o pé. Antigamente era só trocar por miçangas. Cadê as tradições desse país que ninguém mais respeita? Esse negócio de direitos humanos atrapalha pacas.

– Eu sei que atrapalha. A polícia não pode nem mais reprimir uma manifestaçãozinha que já aparece jornal do mundo inteiro reclamando.

– Então, o que você quer de mim?

– Dilma, como é mesmo? Fazer mais reservatórios, interligar sistemas, comunicar a população…

– Engraçadinho. Pelo menos, no meu caso, a coisa vai e vem. No seu, até o volume morto morreu.

– Sorte sua que ainda não estreou a terceira temporada de House of Cards. Imagina o pânico na população se a luz acabasse no meio de um episódio?

– Nem me fale… Mas, Geraldo, vai fazer o quê, meu bom homem?

– Vamos lançar, aqui em São Paulo, o Programa Casa Amiga Cidadã. Quem acolher uma família de refugiados ambientais paulistanos em sua residência terá desconto no IPVA. Além disso, irá concorrer a um carro zero quilômetro todo o mês.

– Você sabe que isso não resolve absolutamente nada, né?

– Sei. Mas qual a coisa que o paulistano adora mais que água? Carro zero! Deve prender a atenção deles por um tempo.

– Se funcionar, avisa. A gente pode federalizar o programa. O que é bom não podemos ter vergonha de copiar.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.