Por que louvamos o álcool e punimos a maconha?
As reações à morte do estudante Humberto Moura Fonseca, após intoxicação por álcool causada por uma overdose de vodka, nos brindam com doses da nossa própria hipocrisia. Pois estimulamos, inclusive com propagandas de TV, o consumo de álcool e destilamos todos os preconceitos possíveis a respeito do uso de maconha. Afinal de contas, droga é sempre o que o outro usa.
Deputados federais passaram a última legislatura fazendo um lobby descarado contra propostas que inserem nos rótulos de bebidas a informação de que o consumo excessivo de álcool pode causar danos à saúde, como ocorre com o tabaco industrializado. É claro que essa informação não vai garantir que alguém deixe de tomar 25 copinhos de vodka, como Humberto.
Mas sua presença nos rótulos é um avanço no sentido da responsabilização do setor de bebidas e de toda a estrutura montada para distribuir a narrativa simbólica do álcool.
Pois as tentativas para limitar os comerciais de bebidas alcoólicas são tratados como atentados à liberdade de expressão. E viva as doações de campanha e o financiamento da mídia!
Os mesmos parlamentares não fazem, contudo, lobby pelo respeito às liberdades individuais, o que inclui autonomia sobre o próprio corpo.
Então, vamos aproveitar o momento para sermos didáticos, com a ajuda de Mauricio Fiore, doutor em ciências sociais pela Unicamp, autor de diversos trabalhos sobre uso de substâncias psicoativas, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e um dos maiores especialistas brasileiros no tema. Atualizei com ele uma conversa que já havia feito aqui no blog.
O que está mais associado a danos sociais e familiares: o álcool ou a maconha?
Sob diversos pontos de vista, o consumo de álcool.
O que está mais associado a danos ao organismo: o álcool ou a maconha?
Essa é uma questão mais complexa, com decisivas variações individuais. Mas, de forma geral, o álcool está associado a um número maior de doenças e, além disso, a danos causados indiretamente, como atos violentos e acidentes de carro.
O que está mais associado a danos às contas públicas por conta de gastos com atendimento médico: o álcool ou a maconha?
Álcool, sem dúvida.
Por que, então, houve um lobby de parlamentares em curso para retirar a obrigação de incluir nos rótulos de bebidas alcoólicas advertências sobre os problemas à saúde causados por elas?
Com certeza, isso passa pelo lobby da indústria do álcool e seus ganhadores indiretos, como o mercado publicitário e parte dos veículos midiáticos. Por exemplo, poucos falam do patrocínio da indústria do álcool às festas universitárias. Dessa forma, nos afastamos da possibilidade de pensar uma legislação e políticas públicas que abarquem, a partir de diversas evidências, todas as drogas psicoativas. Continuamos tratando o álcool como se não fosse uma delas. Afinal, droga é aquilo que o outro usa.
Como o Brasil caminha com relação à política de drogas? Estamos indo na contramão do mundo?
Em alguns pontos, sim. Já falamos sobre a falta de uma política que abarque o álcool como uma droga de grande impacto na saúde pública. Continuamos a prender cada vez mais gente indiciada como traficante, inclusive pessoas que só querem plantar maconha para não comprarem no mercado ilícito. Além de não ter nenhum impacto real no mercado, manter esse modelo não ajuda em nada a redução dos nossos trágicos níveis de violência. Pelo contrário, a nossa política de drogas é um dos motores da violência. Outro ponto que preocupa muito é um modelo de tratamento centrado na internação e há um movimento do governo para aprovar uma regulamentação que não traz nenhum critério de eficácia nem um sistema de fiscalização das comunidades terapêuticas que fazem "acolhimento" – um eufemismo para internação. Isso facilitaria o financiamento público dessas entidades, em detrimento à rede pública e uma política integrada de cuidado e tratamento ao abuso e à dependência de drogas.
Post atualizado às 9h35 do dia 3/3/2015 para inclusão e correção de informações.
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