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Leonardo Sakamoto

Por que fechei meu blog para comentários

Leonardo Sakamoto

17/03/2015 16h57

A partir de hoje, este blog estará fechado para comentários por tempo indeterminado.

Comuniquei essa decisão ao UOL, que compreendeu as razões. Cheguei à conclusão que não posso e não devo disseminar um espaço em que as pessoas se encontram não com o objetivo de dialogar e defender suas posições, mas para destilar ódio, difamar e ameaçar.

Durante mais de oito anos, acolhi diferentes posições e opiniões, garantindo um espaço de debates e construção coletiva de ideias.

Aprendi a amar os comentaristas, mesmo que eles não se amem. Ou me amem. Ou amem qualquer coisa. Porque – e tenho fé nisso – quando o debate é desarmado, ele é transformador. Para os dois lados que dele participam.

Os que por aqui passam sabem que sempre houve liberdade para discordar deste autor, apontar falhas e erros nas análises apresentadas e ficar abismado com o tamanho monumental de sua cabeça. E que os comentários não são um apanhado dos elogios recebidos, mas sempre trouxeram críticas contundentes e inteligentes não menos ácidas ou irônicas que os artigos e reportagens postados.

O murmurinho do debate, necessariamente racional ou deliciosamente irracional, foi responsável por boa parte da graça deste blog. Que, ao longo dos anos, deixou de ser uma apenas uma coluna diária sobre direitos humanos e o cotidiano para se tornar uma comunidades com centenas de milhares e, às vezes milhões, de leitores assíduos e participantes.

A incansável moderação sempre filtrou comentários que incorriam em crimes de ódio, incitação à violência e calúnia. Por isso, sou imensamente grato ao time do UOL que faz esse serviço. Aliás, acredito que todos nós temos que ser agradecidos a esses profissionais que impedem, em silêncio, que a barbárie prevaleça.

Contudo, de uns tempos para cá, a despeito da maioria dos leitores, que enriquece (e muito) o debate, e da moderação, que exclui o chorume, a caixa de comentários se tornou um lugar voltado à troca de ofensas – o que não contribui em nada com o livre debate de ideias.

Um lugar em que vários perfis reais ou falsos, pessoas de cara limpa ou anônimas, tentam se utilizar de um conceito distorcido de liberdade de expressão para desrespeitar outros direitos humanos. Um lugar em que todos gritam e poucos escutam.

Ou seja, a área de comentários deixou de acrescentar e passou a tirar. E não acho que isso seja por conta da ação de radicais de direita e de esquerda. Isso envolve a falta de entendimento do que é viver em sociedade.

É uma pena que um número considerável de leitores, que são a maioria, perca uma arena de discussão por conta de outros, que só querem soltar seus leões.

A eles e elas peço minhas humildes e sinceras desculpas.

Atravessamos a adolescência da internet, momento em que muitas pessoas estão descobrindo possibilidades da rede, mas sem compreender totalmente as consequências de seus atos.

Cultura política deveria ser algo melhor fomentado, desde cedo, não só via estrutura formal de educação, mas ao longo da vida através de espaços públicos e meios de comunicação, evitando simplificações onde há complexidade de matizes e zonas cinzentas. E respeitando as diferenças.

É claro que esta ação não resolve o problema. Sou alvo constante de calúnia, difamação, agressões e ameaças não apenas por conta do blog, mas pelo fato de atuar há 15 anos no combate ao trabalho escravo. Direitos humanos, infelizmente, ainda é questão de polícia no país.

Mas a suspensão é, em si, uma declaração, um aviso de que, do jeito que está, não vai dar.

Talvez, em um outro momento, quando a cultura política tiver sido largamente semeada, quiçá em uma proporção maior do que o ódio hoje, teremos uma sociedade melhor.

Espero reabrir em breve os posts para comentários. Até lá, fica a torcida para que o diálogo prevaleça sobre a intolerância.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.