Se o referendo da Irlanda fosse no Brasil, o resultado provocaria vergonha
A católica Irlanda tornou-se, neste sábado (23), o primeiro país do mundo a garantir, através de referendo popular, que o casamento de duas pessoas do mesmo sexo seja previsto na Constituição.
A união civil estável já era permitida desde 2010. Agora, todos e todas terão acesso à adoção conjunta, guarda compartilhada e concessão de benefícios sociais, entre outros. Circulam na rede histórias de irlandeses que, morando fora do país, retornaram apenas para votar pelo "sim" e ajudar a escrever a história do seu tempo.
Tomarei uma Guinness para homenagear os irlandeses. Mas também para ajudar a esquecer que, no Brasil, estamos longe de um feito assim.
Uma pesquisa Ibope, de setembro do ano passado, apontou 53% contrários à legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, 40% a favor, com 7% não sabendo ou não respondendo.
Ou seja, a maioria dos brasileiros é contra duas pessoas do mesmo sexo terem o direito de constituírem família. E por quê? Por conta de suas crenças pessoais? Se for isso, o Todo Poderoso deixou claro (Levítico 11:09 e 10) que comer camarão e lagosta também é uma abominação.
No Brasil, seria diferente. Uma campanha pontual, de alguns meses, como aquelas que precedem referendos ou plebiscitos, não serviria para melhorar esses números a favor do respeito aos direitos fundamentais. Pelo contrário, tal como ocorre em anos eleitorais, a virulência da oposição do fundamentalismo religioso serviria para reduzir ainda mais o apoio à dignidade da minoria.
Um exemplo é a questão da ampliação do direito ao aborto: ele conhece pequenos avanços fora do período eleitoral (fruto dos debates cotidianos) e perde apoio durante as eleições – quando o tema é demonizado pelo interesse político de alguns autointitulados representantes do divino na Terra. Representantes que, se houver vid após a morte, se encontrarão comigo no Sexto Círculo do inferno – o dos hereges.
Como já disse aqui um rosário de vezes: considero um risco incalculável uma maioria deliberar sobre direitos fundamentais, principalmente de minorias, em referendos e plebiscitos. A Irlanda tem uma legislação específica que leva à discussão da mudança por referendo, e tem uma população preparada para esse debate, mas imagino o que isso seria em outras bandas.
Primeiro porque, não apenas no Brasil, mas em outros países, a percepção coletiva sobre o respeito aos direitos humanos é muito frágil. E a quantidade de informação sobre o outro (de que ele não é uma ameaça) e o nível de consciência da população são, simultaneamente, muito baixos. O que é uma mistura explosiva.
Sociedades, como a nossa, pouco informadas, estruturadas em preconceitos, com medo do que é diferente e opressoras – têm sido egoísta em relação à distribuição de direitos.
Além disso, uma democracia verdadeira passa pelo respeito à vontade da maioria, desde que respeitada a dignidade das minorias. E quando digo "minoria", não estou falando de uma questão numérica mas, sim, do nível de direitos efetivados, o que faz das mulheres uma minoria no país.
Nessa hora, ouço alguém gritar lá no fundo da sala: "Mentira! Vivemos uma ditadura gayzista e feminazi!" O que, além de provar meu ponto, mostra a importância de pessoas serem abraçadas desde pequenas pelos pais e as consequência negativas da ausência disso.
A verdade é que os que dizem que querem governar por plebiscito no Brasil sabem o resultado que a massa irá entregar sobre certas perguntas. Daí, eles querem liberar essas perguntas para que a massa apoie o seu ponto de vista. E é por isso também que temas como "taxação de grandes fortunas ou de grandes heranças" nunca vai a plebiscito ou referendo.
Fico minimamente aliviado que decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a interpretação da Constituição Federal visando à garantia desses direitos não têm sido tomadas necessariamente com base em pesquisas de opinião ou para onde sopra a opinião pública em determinado momento depois de um crime bárbaro.
Pensando bem, uma Guinness vai ser pouco.
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