Topo

Leonardo Sakamoto

Brochou quando o rapaz disse confiar em tudo o que lê no WhatsApp

Leonardo Sakamoto

18/07/2015 08h50

Um ex-aluno me contou que engatou uma agradável conversa com outro rapaz na balada. Esteticamente compatível e com senso de humor afinado com o dele, pensara que havia encontrado o homem de sua vida. Mas, lá pelas tantas, sentiu um taco de baseball arrebentar suas expectativas quando ouviu um: "não gosto de ler, acho perda de tempo".

Ainda tentando salvar o futuro casamento, enveredou a conversa por outros caminhos. E, de repente, vieram os golpes de misericórdia: "só me informo por WhatsApp" seguido de "confio em tudo o que meus amigos me mandam".

– Quase chorei pela brochada. E o cara era aspirante de jornalista!

(O que pode explicar muita coisa…)

Leio reclamações diárias de pessoas desesperadas diante de comportamentos de desprezo pela busca por informação de qualidade mas também por qualquer informação que demande alguma energia para sua obtenção, verificação ou consumo. Ou seja, o que não vier por osmose, não entra.

Muitas pessoas se informam mal e porcamente sobre um problema grave na sua cidade, estado ou país porque acham que não precisam se informar por inteiro para poder seguir sua vida em frente ou se relacionar em sociedade. Afinal de contas, qualquer conhecimento superficial é suficiente para sua vida atual.

Se o debate público fosse mais qualificado, a pessoa se sentiria motivada a ler mais até para não ser humilhada coletivamente nas redes e aplicativos ao expor argumentos ruins, preconceituosos e superficiais. Ou para responder groselha em uma cantada na balada.

Mas como garantir isso se muitas das referências intelectuais, independentemente do posicionamento ideológico, se esforçam para tornar o debate raso?

O discurso violento e opressor – mais palatável e que mexe com nossos sentimentos mais primitivos e simples – ecoa e repercute. Esse discurso basta em si mesmo. Não precisa de nada mais do que si próprio para ser ouvido, entendido e absorvido.

Lembrando que "qualificação" não significa elitização, muito pelo contrário. Não é algo chato, hipercodificado, barroco ou acadêmico e sim que ajude o leitor a perceber a complexidade do mundo em que vive e o ajude a construir o seu sentido das coisas.

Precisamos, por um lado, e como já disse aqui várias vezes, repensar o ensino para melhorar o debate público. Enquanto isso, quem ajuda mediar o debate público precisa ajudar a qualificá-lo o melhor possível, na forma e no conteúdo.

Somos nós que semeamos muito do que será, posteriormente, colhido, consumido e usado – seja na discussão sobre o futuro do país, seja em uma conversa despretensiosa em um bar.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.