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Leonardo Sakamoto

Se Donald Trump se candidatasse no Brasil, chegaria ao segundo turno

Leonardo Sakamoto

20/07/2015 15h55

O Brasil contou com figuras exóticas nas últimas corridas presidenciais. As votações que recebiam eram um misto de protesto contra a política tradicional e uma certa empatia, por vezes envergonhada, com suas propostas simplistas.

Um exemplo são as eleições de 1994, quando FHC bateu Lula no primeiro turno e Enéas Carneiro – conhecido pela defesa caricatural de propostas conservadoras (como a construção de uma bomba atômica) nos poucos segundos aos quais seu partido (Prona) tinha direito – ficou em terceiro com 4,7 milhões de votos (7,37% do total).

Mas não contavam com chances reais. E semoventes como Levy "Aparelho Excretor Não Reproduz" Fidelix eram considerados café-com-leite.

Donald Trump é mais do que um ser exótico nos Estados Unidos. Conhecido bilionário e figura midiática de qualidade duvidosa, o empresário do ramo imobiliário sempre falou mais do que a boca, metendo-se (como diria aquela chamada manjada de velha da Sessão da Tarde) nas maiores confusões. Como sua bizarra defesa de que Barack Obama não havia nascido nos EUA e sim no Quênia, o que o tornaria inelegível.

Trump Romney 2012

Mas em um cenário de crescente polarização, Trump tem conseguido a simpatia de um número cada vez maior de eleitores conservadores, principalmente após afirmar que o México enviava o seu pior para os EUA, com imigrantes trazem drogas e crimes e sendo estupradores. Aliás, jogue sempre a culpa em um inimigo externo para justificar sua própria incompetência #ficadica.

Há uma chance de sair como candidato independente, uma vez que cutucou demais os republicanos. Em sua última groselha, afirmou que o senador John McCain só era considerado um herói de guerra porque fora capturado. McCain ficou cinco anos como prisioneiro no Vietnã, sofrendo torturas, enquanto Trump se livrou do recrutamento. A possibilidade maior é de Trump dividir a direita, não de ser uma candidatura viável para a Casa Branca.

Há políticos no Brasil que eram vistos de forma caricatural há alguns anos, como o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ). Hoje, é referência para os ultraconservadores tradicionais e para os que saíram do armário recentemente. E, por conta da extrema polarização, tornou-se importante para um grupo significativo que o vê como "aliado" diante de um "inimigo" comum, o governo federal. Uma simplificação perigosa que desconsidera que há muita coisa (boa e ruim) tanto à esquerda do PT quanto à direita do PSDB (não estou afirmando que o PT esteja na esquerda nem que o PSDB na direita, pois desconfio que ambos não saibam o que é isso).

Como os principais partidos políticos não se esforçam para garantir mais participação popular (essa reforma política da Câmara muda as coisas – para tudo ficar tudo como está) e o governo derrapa em retomar o crescimento econômico (o "ajuste" com tungada de direitos não foi o prometido na campanha…), vamos assistindo ao crescimento de discursos que bradam que partidos são desnecessários. E que a democracia é questionável.

A democracia representativa é cheia de defeitos mas, com seus freios e contrapesos, ainda é melhor do que a tirania que pode ser imposta por aventureiros que cheguem ao poder.

Não sei se teremos um Donald Trump por aqui.

Pergunto-me se uma pessoa assim seria necessária. Até porque tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a polarização política e a violência contra as minorias segue bem, obrigado. Em ambos os países, a polícia mata mais negros do que brancos, as bolhas sociais físicas e digitais se multiplicam, garantindo que você não conviva com o terrível contraditório, a questão ambiental é preocupação da boca para fora dos governantes…

Trumps da vida falam o que falam porque sabem que muita gente irá aplaudi-los por isso – são toscos não idiotas. Contam com recursos para se fazerem conhecidos e ventilar suas ideias. Tem o aparente frescor da novidade – mesmo que estejam no poder desde a América pré-colombiana. Sabem conversar com um público que quer saídas rápidas e fáceis para seus problemas econômicos.  E não precisam ganhar nada. São azarões e portanto livres para fazerem o que for preciso para ganhar.

E, como disse o blog norte-americano Politico, cobrir um candidato como Trump (ou sua versão tupiniquim) deve ser algo divertido para a imprensa. Cada dia, uma loucura nova, demandando cobertura. E em tempos de demissão em massa na imprensa, uma coisa que jornalista não vai negar é trabalho…

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.