Aborto de "bandidos" no útero: Ou como o poço não tem fundo no Brasil
"Um dia, nós chegaremos a um estágio no qual seremos capazes de determinar se a criança no útero da mãe tem tendências criminais e, se sim, a mãe não será autorizada a dar à luz."
A declaração teria sido por Laerte Bessa (PR-DF), relator do projeto de redução da maioridade penal, ao jornal inglês The Guardian e resgatada pela revista Fórum, no melhor estilo Minority Report – aquele filme em que Tom Cruise prende os bandidos antes deles cometerem os crimes. Uma outra declaração dada por ao jornal afirma que, em duas décadas, reduziremos a maioridade para 12 anos.
Em nota divulgada por sua assessoria de imprensa, ele disse que não falou em aborto e que a matéria escrita em inglês "ganhou interpretações erradas".
Contudo, Bruce Douglas, o repórter do jornal inglês, disponibilizou o áudio da conversa, onde é possível ouvir a declaração:
Mas, vejamos: recebi, meses atrás, uma doce mensagem de leitor dizendo que "mãe de bandido deveria ser esterilizada".
Não fiquei chocado porque, depois da popularização da internet, nada me choca. O pior é que se perguntar para o missivista se é a favor de garantir às mulheres a autonomia sobre o próprio corpo, ele cospe na sua cara.
Daí, tentando seguir essa linha de pensamento ignorante e imbecil, ironizei o comentário do leitor, em um post em abril deste ano:
"Talvez seja essa a saída e não a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos: Esterilizar úteros que pariram criminosos de forma a interromper o terreno fértil para crimes. Ou, talvez, se nossa ciência permitir, descobrir com cálculos precisos os úteros ruins e impedir que deles brote algo."
Um amigo jornalista, que leu o post na época, me alertou para tomar cuidado com textos ficcionais que forçavam a barra. "Tá louco, Saka? Quem toparia uma aberração dessas? Não viaja…"
Rá!
Leia também:
Ao invés de reduzir a maioridade, que tal esterilizar mães de bandidos?
Isso ensina uma lição, meu caro amigo: Pense no pior filme B de terror? Ele não se compara à realidade brasileira.
Escrevi naquele post também que, conhecendo nossa sociedade, os "úteros ruins" passíveis de aborto forçado não serão úteros ricos, que sempre tiveram acesso a tudo e que repousam em lençóis de algodão egípcio – mesmo que de alguns deles tenha brotado os que põem fogo em indígenas em pontos de ônibus, espancam pessoas em situação de rua ou atropelam ciclistas.
Mas úteros negros e pardos, que lavam roupa, fazem faxina e não raro criam os filhos sozinhos. Úteros que andam de ônibus, ganham uma miséria, dividem-se entre o trabalho e a família. E, por isso, não vivem, apenas sobrevivem, enfileirando dias e noites, na periferia de alguma grande cidade.
Depois desse episódio profético, se eu fosse você, acreditaria no alerta que venho fazendo há tempos: com esse Congresso Nacional, nada está a salvo. Nem o direito das mulheres ao voto, nem a República, muito menos a Lei Áurea.
Atualizado à 1h do dia 23/7/2015 para inclusão do áudio da entrevista com o deputado.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.