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Leonardo Sakamoto

Você bate palmas para o trabalho infantil?

Leonardo Sakamoto

08/08/2015 11h41

Ao ver um tiquinho de gente esvaziando um forno em uma carvoaria, separando material reciclável em um lixão ou empurrando um carrinho em uma feira livre muitos ficam indignados.

Mas quando a criança encontra-se em programas de auditório, telenovelas, espetáculos, desfiles de moda ou propagandas quase todos nós achamos bonito.

O fato é que, em ambas as situações, as crianças estão trabalhando.

O debate sobre o trabalho infantil artístico ainda está em aberto, gerando controvérsias entre a defesa da proibição total e a necessidade de regulamentação para proteger crianças e adolescentes.

Publiquei, tempos atrás, uma reportagem de Fernanda Sucupira, pela Repórter Brasil, sobre o tema. Isso gerou comoção entre os leitores que – basicamente – se dividirem entre os que eram totalmente a favor e os que se colocavam radicalmente contra. Na verdade, a discussão é bem complexa.

Recentemente, a Justiça do Trabalho primeiro proibiu e, após as explicações do SBT, autorizou que o programa infantil "Bom Dia & Cia", continuasse apresentado por duas crianças. Também houve a proibição de que crianças participassem de uma peça de teatro dirigida por Miguel Falabella. Vou trazer aqui alguns pontos que a Fernanda levantou na época para ajudar nesse debate:

– O glamour artístico e a valorização social da fama muitas vezes impedem que sejam percebidos os prejuízos que tais atividades podem causar no desenvolvimento de crianças e adolescentes. E frequentemente resultam na condescendência das famílias, da sociedade e da justiça no Brasil.

– Crianças chegam a ficar dez horas gravando uma propaganda de 15 segundos, repetindo a mesma tomada, o que pode gerar estresse, ansiedade e pressão, principalmente quando cometem erros. Pesquisas têm apontados que o trabalho infantil artístico pode prejudicar sim o desenvolvimento escolar. Longas jornadas de trabalho, viagens constantes e a necessidade de memorizar muitos textos são alguns dos elementos que contribuem para a diminuição do tempo de estudo. Muitas vezes, deslumbradas por terem "estudantes famosos", escolas são excessivamente compreensivas e  fazem vista grossa. Esse tratamento diferenciado, com uma série de privilégios, em alguns casos, pode levar inclusive a que sofram bullying de outros colegas.

– Muitas dessas crianças levam uma vida agitada, com muito trabalho e tempo livre escasso, o que as afasta do convívio com familiares e amigos. Não são raras também as situações de constrangimento, humilhação e rebaixamento da autoestima da criança. Num episódio ocorrido em 2012, por exemplo, no Programa Silvio Santos, Maísa, na época com dez anos, humilhada pelo apresentador saiu chorando do palco, bateu a cabeça em uma câmera e foi chamada de "medrosa" pelo público.

– Há ocasiões em que as crianças também participam de gravações com elencos adultos, em cenas que não são apropriadas para elas, que incluem situações de agressividade e violência. A convivência com o processo dramático, isto é, a vivência das crianças de suas personagens pode levar a danos para o desenvolvimento, já que muitas vezes elas ainda não diferenciam o que é fantasia do que é realidade.

Proibir ou regulamentar?

– Há os que defendem a total proibição de todas as formas de trabalho infantil, apoiando-se na Constituição Brasileira, que define que é proibido qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos, e qualquer tipo de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos.

– E há os que defendem a regulamentação desse tipo de trabalho, por considerar que a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2001, admite o trabalho artístico como uma das exceções. No entanto, para que essa exceção fosse válida o país teria que determinar explicitamente seus casos excepcionais, o que não ocorreu em relação à atividade artística. E o que estaria permitido seria a participação em apresentações artísticas, o que é diferente de trabalho infantil artístico.

– Entre os que entendem que a atividade deve ser regulamentada, porém, muitos defendem a ideia de excepcionalidade das autorizações judiciais. Isso quer dizer que deve haver uma análise caso a caso antes de elas serem concedidas, averiguando-se as condições de trabalho, para serem pensadas as medidas de proteção que devem ser tomadas.

– O Ministério Público do Trabalho desenvolveu uma lista de parâmetros de proteção para essas permissões excepcionais, entre eles a exigência de um laudo psicológico; uma jornada compatível com o horário escolar; matrícula, frequência e bom aproveitamento escolar; assistência médica, odontológica e psicológica; e o depósito de um percentual da remuneração da criança em uma poupança para que possa retirar quando completar 18 anos. No entanto, a maior parte das autorizações judiciais no Brasil atualmente é absolutamente vaga.

E a publicidade?

– Entre aqueles que atuam no enfrentamento ao trabalho infantil, a maioria afirma que deve ser proibida qualquer participação de crianças e adolescentes em peças publicitárias, por se considerar inaceitável que pessoas nessa faixa etária sejam utilizadas para vender produtos, em uma situação totalmente voltada aos interesses do mercado, sem caráter artístico.

– Avalia-se também que em nenhum caso é imprescindível a participação infantil na publicidade, já que essas mensagens podem ser transmitidas de outras formas.

– O Fórum Nacional para a Prevenção e Eliminação do Trabalho Infantil (FNPeti) defende que deve ser assegurado a crianças e adolescentes o direito de desenvolverem seus talentos artísticos, mas em um ambiente educacional, como parte do processo educativo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.