O Estado deve garantir qualidade de vida ou é cada um por si?
Percorri durante um mês o São Francisco, da nascente à foz, bem como regiões do Semiárido, para uma reportagem sobre o projeto de transposição das águas do rio. Isso já faz 13 anos – o que mostra que estou mais velho, mas não necessariamente mais sábio.
Particularmente, sou contrário à forma como o projeto (que é tão velho quanto Dom Pedro II) foi tocado, pois não irá capilarizar o acesso aos mais pobres ao contrário do que o governo afirma. Mas esse não é o tema deste post. Durante as entrevistas, um especialista me disse que todos querem o rio, mas não eram todos que topavam, de forma democrática e transparente, discutir a natureza da sua utilização. E que o correto seria fazer um "orçamento" do Velho Chico envolvendo a população, rica e pobre, que dele se beneficia.
Considerando que a quantidade de água é finita, quais deveriam ser as prioridades do rio? Abastecimento humano? Geração de energia elétrica? Produção agropecuária? Indústria? Navegação? Sabendo, é claro, que tomar decisões significa excluir opções, mais do que agregar.
Como um orçamento doméstico. Que, convenhamos, a maioria dos brasileiros conhece bem. Afinal, comer um bifão hoje pode significa viver de ovo o resto da semana.
Todos concordamos que o Estado deveria garantir as condições para possibilitar condições mínimas de qualidade de vida da população. Daí aparece a divergência, do que seria essas "condições mínimas".
Pois pedimos mais educação, mais saúde, mais segurança, mais transporte. Mas isso, claro, tem um custo. E o Estado brasileiro, desde a redemocratização, gasta cada vez mais para cobrir a crescente demanda da população.
Demanda que não vai parar de crescer, pois aprendemos o que é cidadania e queremos parte do bolo que, durante a ditadura, nos pediram para esperar porque ia crescer para ser dividido.
Mesmo se um dia conseguirmos reduzir significativamente a sangria da corrupção que envolve, historicamente, todos os níveis administrativos, não haverá "água" para fazer as vontades de todo o mundo. O montante que será recuperado no âmbito da Lava Jato e o que deveria ser na operação Zelotes (cujo rombo é maior, mas ninguém se importa muito) não seriam suficientes para fazer frente a todas essas demandas.
Há quem defenda que o Estado não deveria ser tão responsável por educação, saúde, segurança, transporte. Ou seja, ao invés de sustentar com impostos a manutenção e ampliação de escolas públicas e do Sistema Único de Saúde, por exemplo, destinaria o dinheiro para o bolso das famílias – que usariam o que foi economizado para por os filhos na escola ou comprar um plano de saúde.
Outros defendem que o poder público deve atuar redistribuindo riqueza e, através de impostos cobrados de forma mais pesada dos mais ricos do que dos pobres, custear um Estado que cuide do bem estar da parte de sua população que não poderia adquirir esses serviços de outra forma.
O fato é que pedir mínima participação do Estado não casa, necessariamente, com a garantia de serviços públicos de saúde, educação, transporte, segurança pública de qualidade.
A Folha de S.Paulo publicou, neste domingo (16), uma boa matéria de Patrícia Campos Mello sobre jovens da periferia que se engajaram nas manifestações contra o governo, mas tinham uma visão diferente sobre o papel do Estado de parte dos organizadores dos protestos.
Ou seja, em algum momento, teremos que promover um debate amplo e público sobre o que queremos do Estado brasileiro, explicando direitinho o que significa cada escolha. Sem mimimis e discussões em forma de gritos.
Há economistas falando em mexer na Previdência Social, aumentando o tempo que uma pessoa tem que ficar trabalhando para evitar que o país quebre. E há os que defendem a ampliação da terceirização e uma reforma que diminua direitos trabalhistas para reduzir custos. Outros defendem uma reforma tributária, aliviando a taxação do consumo e aumentando, de forma progressiva (quem ganha mais, paga mais), os impostos sobre renda do trabalho e, principalmente, do capital. Movimentos sociais defendem taxar grandes heranças e fortunas. Sem contar os que falam da repatriação de bilhões de brasileiros que estão ilegalmente no exterior.
Cada um de nós têm uma posição sobre como o Estado deveria agir no Brasil frente aos recursos limitados – posição que precisa ser confrontada, de forma tranquila no espaço público e no Congresso Nacional, para que voltemos a construir um projeto de país.
O problema é que tem sido bastante difícil travar um debate honesto e racional nesses ambientes. Um debate em que ninguém te xingue ou dê as costas quando não concorde, que não queira "ganhar" no grito, que apresente argumentos e dados comprovados e não obscuros e refutados pela comunidade científica. No Congresso, a situação é ainda pior. Acompanhei este ano votações por lá cuja qualidade do debate foi um show de horrores de dar vergonha alheia.
Alguns temas parecem áridos para uma parte da população que não está acostumada a eles. Mas isso não significa que essa parcela deva continuar alijada da discussão. Porque isso tem a ver diretamente com a sua qualidade de vida.
Então, temos que nos esforçar para democratiza-la. Se as experiências de orçamento participativo não tivessem sido atacadas de forma injusta, talvez hoje estaríamos em um outro patamar para esse debate.
O que você quer do Estado brasileiro – para além da premissa básica de que ele não desvie, via corrupção, dinheiro dos seus cidadãos? Um Estado mínimo ou Estado de bem-estar social?
E o seu representante político no Congresso pensa como você ou você só votou nele porque o anônimo no WhatsApp disse que era adversário do grupo que você não curte?
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