Quando a imagem da morte é necessária para nos lembrar dos vivos
Li reclamações de leitores de jornais e sites indignados com a veiculação de uma imagem do corpo morto de um pequeno menino sírio, afogado e estirado em uma praia da Turquia após uma tentativa fracassada de sua família de atravessar o mar para fugir da guerra.
Publicadas com cuidado que o tema merece, por mais que doam aos olhos e mexam com o estômago e atrapalhem o jantar ou o café da manhã, imagens têm o poder de trazer a realidade para perto.
É fácil ficar indiferente diante de números de violência, mas com rostos a situação muda de figura. Dizer que milhares de pessoas morrem afogadas na tentativa de fugir do conflito na Síria ou de fome na África é uma coisa. Mas mostrar a morte de uma criança, usando as mesmas roupas e, quiçá, o mesmo corte de cabelo que o filho de qualquer um de nós é outra.
Ou trazer o corpo frio de um rapaz moreno, de olhos bonitos, que era marceneiro, e de sua noiva, professora, que gostava de cantar de manhã.
Ou ainda os cadáveres de três adolescentes de uma mesma família, que sempre esperavam até a noite acordadas a chegada do pai que trazia comida para dentro de casa.
Ou de um motorista de uma ambulância, que tinha orgulho do seu trabalho.
O outro deixa de ser estatística, e passa a ser um semelhante, pois é feito de carne e osso e não de números. Nesse momento, há uma aproximação, uma identificação, fundamental para empurrar os espectadores de um conflito para ações, de protesto, de boicote. Seja em uma crise humanitária no Mediterrâneo, em um massacre no Oriente Médio, em uma guerra entre grupos rivais na África, na luta pela independência do Sudeste Asiático ou por conta da violência armada em favelas das grandes cidades do Brasil.
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Por que publicamos a imagem do menino sírio afogado?
Vivemos em um mundo cuja informação se espalha em tempo real. Mas, mesmo com essa facilidade, muitos se furtam de ter acesso ao mundo.
Ao mesmo tempo, a tecnologia bélica transformou certos conflitos em cenas de videogame, filtrando sangue, suor e vísceras pelas lentes de drones e câmeras de aviões e helicópteros. O que chega, não raro, à tela de uma TV, de um computador ou de um smartphone é algo asséptico, palatável, consumível em doses homeopáticas. Pois não parece humano e sim ficção.
Quando a comunicação é globalizada, cresce a força e a importância de ações globalizadas pela paz. Acertam os veículos de comunicação que divulgaram as imagens, como o UOL, que não configuram sensacionalismo como os programas espreme-que-sai-sangue da TV, que repetem aquilo que já se sabe pelo tesão da audiência. Mas são uma declaração pública contra a barbárie.
Diante disso, a ignorância do que acontece à nossa volta deixa de ser uma benção e passa a se configurar delinqüência social.
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