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Leonardo Sakamoto

Alguém me belisca: donos de banco e de empreiteiras presos no Brasil

Leonardo Sakamoto

27/11/2015 14h05

Sei que a prisão de Delcídio "do" Amaral (PT-MS), um senador no exercício do mandato, é algo inédito e abre uma porteira até então intransponível, acentuando a venda de ansiolíticos nas farmácias do Planalto Central. Ele foi pego negociando a soltura e um plano de fuga para um dos envolvidos na Operação Lava Jato. Agindo de forma mirim, disse que teria influência junto ao Supremo Tribunal Federal, que ordenou sua prisão.

Mas, alguém me belisca: um grande banqueiro foi preso no Brasil.

Banqueiro, não bancário. Daqueles que são vendidos como exemplos a serem seguidos por nós, mortais insignificantes que trabalham pra burro, mas nunca chegarão lá e terão que, para sempre, ficar de olho na MegaSena acumulada.

André Esteves, do BTG Pactual, por atrapalhar as investigações da Operação Lava Jato, vai passar uma temporada na cadeia por ordem do Supremo Tribunal Federal.

Ele vai fazer companhia a executivos e donos de grandes empreiteiras brasileiras encarcerados por corrupção no âmbito da operação Lava Jato.

Empreiteiros, não serventes de pedreiros. Daqueles que são vendidos como exemplos a serem seguidos por nós, mortais insignificantes que trabalham pra burro, mas nunca chegarão lá e terão que, para sempre, ficar de olho na MegaSena acumulada.

Para quem está acostumado a ver pessoas serem presas por furtos de xampus, coxinhas, biscoitos, pães de queijo, canetas, chicletes e bifes, apesar de seus valores insignificantes, enquanto o andar de cima se lambuza e passa ileso, isso é um momento histórico.

O Brasil passou a ser um país justo? Não. Longe disso. E, pelo andar da carruagem, de toda a concentração de renda, de poder e de meios de produção, do machismo, do racismo, do preconceito, do trabalho escravo, da falta de vergonha na cara, estamos a, pelo menos, um século disso. Pois, ao contrário do que pensa muita "gente de bem", combate à corrupção é fundamental, mas não é nem a ponta do iceberg.

Também não estou sendo revanchista. Nem inocente. Pois nada adianta se direitos forem ignorados no intuito de tornar o país um lugar melhor.

Mas, por um átimo de tempo, um momento breve, um rasgo no tecido do tempo-espaço, deu para vislumbrar o que seria um Brasil em que ricos e pobres devem respeito à lei.

E é uma visão pela qual vale a pena lutar.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.