Rico é "sonegador". Pobre é "caloteiro", "vagabundo", "aproveitador"
Uma milícia branca armada até os dentes que toma um prédio público no Oregon e promete resistir contra a opressão do governo federal é composta de "ativistas armados". Grupos por direitos civis que fecham vias públicas para protestar contra a violência policial contra negros por lá adotam práticas "terroristas". A discussão sobre esse caso tomou a mídia dos Estados Unidos e Europa e há bons textos mostrando como um "dois pesos, duas medidas" tem sido adotado para aborda-lo. Conhecemos bem essa prática:
Ricos que cometem um crime são "jovens". Pobres que cometem crimes são "menores infratores".
"Manifestantes" são aqueles que fecham avenidas para lutar por algo com o qual concordamos. "Baderneiros" são aqueles que fazem o mesmo por algo sobre o que discordamos.
Empresas que grilam terras públicas são "ocupantes irregulares". Grupos de sem-terra que permanecem em fazendas griladas e pedem sua destinação à reforma agrária são "invasores".
Da mesma forma, proprietários de imóveis mantidos vazios para a especulação imobiliária que devem o seu preço em IPTU atrasado são "devedores do poder público", enquanto os sem-teto que ocupam esses imóveis pedindo sua destinação à moradia popular são "invasores".
Árabe que se mata com bombas pelo corpo é um "fanático" que prova a irracionalidade das culturas não-ocidentais. Um ocidental que sai matando todo mundo em protesto contra política de diversidade social é um "louco".
Rico que deixa de pagar milhões em impostos não é "ladrão". Ele está apenas exercendo seu protesto contra a pesada carga tributária. "Ladrão" é pobre que rouba xampu. De um lado, "sonegador", do outro, o "caloteiro", o "vagabundo", o "aproveitador" que não pagou a mensalidade do carnê da geladeira.
A discussão de qualquer política para regulação de rádio e TV, que são concessões públicas, é "censura e ataque à democracia". Mas quando o novo presidente da Argentina desmonta a agência pública que trata do assunto por decreto, sem passar a discussão pelo Congresso, escutamos um estrondoso silêncio.
A escolha de uma palavra para nomear um fato ou qualificar um fenômeno, parece aleatória, é consequência de uma série de processos na nossa cabeça que evocam experiências vividas, traumas, aprendizados, doutrinações, medos, bloqueios.
Da mesma forma, aquilo que não dizemos, o interditado, fala tanto sobre nós quanto os termos que escolhemos para explicar o mundo. Porque algo não dito tem tanto significado quanto aquilo que é dito pela razões acima.
É possível e desejável ficar atento e frear uma palavra que vem não sei de onde antes que seja dita ou escrita e refletir sobre ela, tentando entender o porquê de você a estar usando e se não haveria um termo melhor, que não fizesse outra pessoa sofrer ou que fosse mais justo com a realidade. Dessa forma, evitamos perpetuar discursos de opressão – que não foram produzidos por nós, mas que nos aprendemos muito bem, transmitidos pela escola, a família, a igreja, a mídia, o trabalho, e para os quais somos instrumentos muito competentes de difusão.
Isso resolve o caso de quem usa essas palavras sem pensar. O problema é que muita gente faz essas opções conscientemente.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.