Topo

Leonardo Sakamoto

Protesto em SP: A polícia desce a porrada, mas não é a única responsável

Leonardo Sakamoto

09/01/2016 09h40

O protesto contra o aumento nas tarifas de ônibus, metrô e trens, organizado pelo Movimento Passe Livre, nesta sexta (8), terminou – novamente – com a polícia tentando queimar o estoque de bombas de gás e de estilhaços e balas de borracha no centro de São Paulo.

A justificativa policial replicada em reportagens que tratam do assunto é a mesma de uma criança de seis anos que reclama do amiguinho após uma briga: foi ele quem começou.

Imagens que estão circulando na rede, contudo, mostram que os primeiros atos de violência contra pessoas partiram – novamente – dos próprios policiais.

A verdade é que nem importaria quem começou, a polícia tem que ser mais fria que o cidadão em um protesto. Se a sua missão for garantir a segurança de todos, ela deveria cumprir isso evitando o confronto. Engolindo sapos se for necessário. Afinal, polícia não é Exército. Polícia não está em guerra com ninguém. Ou pelo menos não deveria estar.

Será que o poder público paulista é tão ruim, mas tão ruim, que não consegue atuar, de forma inteligente? Ou mesmo reagir de forma localizada, seletiva e não violenta a uma meia dúzia de celerados (sejam eles manifestantes ou mercenários infiltrados com a função de causar) que depredam patrimônio público e privado sem prejudicar o direito cidadão à manifestação em um espaço público e sem atacar os milhares de presentes em um protesto pacífico?

Convenhamos: não consegue ou não quer?

Porque essa situação sempre foi cômoda para justificar uma reação policial violenta, dissipar toda uma manifestação e gerar uma narrativa que criminaliza um movimento.

Jovens correm após policiais lançarem bombas durante ato contra o aumento do valor da tarifa (Foto: Marlene Bergamo/Folhapress)

Jovens correm após policiais lançarem bombas durante ato contra o aumento do valor da tarifa (Foto: Marlene Bergamo/Folhapress)

Policiais não são monstros alterados por radiação para serem insensíveis ao ser humano. Não é da natureza das pessoas que decidem vestir farda (por opção ou falta dela) tornarem-se violentas. Elas aprendem a agir assim. No cotidiano da instituição a que pertencem (e sua natureza mal resolvida), na formação profissional que tiveram, na exploração diária como trabalhadores e na internalização de sua principal missão: manter o status quo.

O problema não se resolve apenas com aulas de direitos humanos e sim com uma revisão sobre o papel e os métodos da polícia em nossa sociedade. Setores da polícia estão impregnados com a ideia de que nada acontecerá com eles caso não cumpram as regras. Outra parte sabe que a mesma sociedade – mesmo que tire selfies com eles – está pouco se lixando para eles e suas famílias, pagando salários ridículos e cobrando para que se sacrifiquem em nome do patrimônio alheio.

Como já disse aqui antes, conversei com um soldado da Polícia Militar que disse detestar atuar em manifestações. Fica nervoso com provocações de black blocs, mas acha pior ainda ter que ir para cima da "criançada", como mesmo descreveu. Para ele, isso não faz sentido. Mas tem medo de reclamar.

Sei que a justificativa do "estou cumprindo ordens" não cola desde o tribunal de Nuremberg, somos responsáveis pelos atos que cometemos. Mas, neste caso, a discussão do "estou sobrevivendo" e do "ué, mas sempre me disseram que essa era a forma correta de agir" se entrelaçam de forma complexa. Pois, para muito policial que discorda dessa situação, a saída pode ser sofrer sanções disciplinares ou pedir demissão.

Isso não nos impede de cobrar o avanço do debate sobre a desmilitarização da polícia dos administradores públicos e responsabilizá-los por cada ato de violência estatal oriundo dessa inação. O problema é que isso são palavras ao vento. Por exemplo, os policiais que foram executores dos 111 presos no massacre do Carandiru, em 1992, foram condenados pela Justiça. Mas nenhum político, responsável por essas forças policiais, foi ao banco dos réus. Afinal, são eles que mantêm a política de controle da população, valendo-se de uma massa de pessoas obrigada a aceitar ordens bizarras para não perder o emprego.

E também não nos impede de cobrar Fernando Haddad e Geraldo Alckmin por mais um aumento na tarifa de metrô, ônibus e trens, sem a devida discussão com a sociedade, em um momento de crise econômica que está sendo especialmente dolorosa aos mais pobres.

Não sei o que vai acontecer nas próximas semanas, se os ânimos vão se exaltar ainda mais. Mas seja o que for, a responsabilidade pelo que acontecer também será colocada na conta dos dois.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.