Porrada da PM: São Paulo comete censura através de violência de Estado
Será que nós jornalistas preenchemos tão bem assim o papel de gado para abate que não conseguimos nos mobilizar em nenhuma circunstância?
Será que realmente nos consideramos melhores do que os outros trabalhadores? Ou, quiçá, nos sentimos travestidos de alguma estúpida missão, flanando acima do bem e do mal, fazendo de conta que não é com a gente?
Porque tão intolerável quanto um manifestante levar cacetada covardemente sem ter feito absolutamente nada para colocar em risco a vida de outras pessoas, é um jornalista ser agredido quanto está tentando registrar e transmitir uma história. Seja ele da mídia tradicional ou alternativa.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou nota, nesta quarta (13), afirmando que a Polícia Militar do Estado de São Paulo feriu, pelo menos, nove repórteres que cobriam a manifestação da última terça. Segundo a entidade, imagens mostram que, mesmo identificados, eles foram alvo de golpes de cassetete, empurrões e bombas.
"Agressões de policiais contra profissionais da imprensa durante o exercício de suas atividades é prática característica de contextos autoritários. O papel das forças de segurança é proteger cidadãos e garantir o direito de a imprensa trabalhar. A Abraji repudia os ataques a jornalistas praticados pela Polícia Militar de São Paulo durante o protesto dessa terça-feira e espera que a Secretaria de Segurança Pública apure os abusos registrados, punindo os responsáveis por esses atos", afirma a nota.
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Ou seja, os ataques não são acidentes. Pelo contrário, alguns policiais sabem muito bem o que estão fazendo. E os chefes deles também. E o Secretario de Segurança Pública. E o governador. O que só torna a situação pior, uma vez que eles não estão atacando apenas o profissional de imprensa que está lá, mas impedindo que a população saiba exatamente o que está se passando para formar sua opinião.
É censura perpetrada através de violência de Estado.
O poder público não atua decentemente em certos protestos e aglomerações para além de meter bala, bomba e cacetada, criando um ambiente de guerra em que tudo pode acontecer. Em outros, distribui selfies. Policiais despreparados, falta de comando, ordens bizarras, má fé, enfim, o governo tem tentado controlar fogo jogando álcool. E não é aleatório.
Aposta na criminalização prévia de todo um movimento e na geração de narrativas que transformam milhares de manifestantes pacíficos em potenciais black blocs para reafirmar sua posição junto a uma parcela expressiva do eleitorado que prefere um sentido distorcido de ordem acima do respeito aos direitos civis.
Crucifica-se apenas o agente policial ou o manifestante pelo ocorrido, quando os maiores responsáveis estão longe dali.
Ou melhor, clima de guerra, não. Já cobri mais de uma vez conflitos armados fora do país e nunca vi nada parecido.
Em outras profissões, teríamos protestos ou uma ação coletiva mais forte para denunciar o que está acontecendo. Talvez até cruzaríamos os braços. Por aqui, muitas vezes abaixamos a cabeça e torcemos para que, na próxima vez, não seja conosco – assumindo o mesmo padrão que adotamos quando uma demissão coletiva assola um veículo de comunicação sem que, antes, patrões e empregados tenham conversado para checar se essa era mesmo a única saída.
Como profissionais cuja função é cobrar o poder público não conseguem sair desse estado de catatonia? Não é uma questão de posicionamento político, ser a favor ou contra manifestações. É liberdade de expressão.
Pois, com exceção das insistentes cobranças da sempre alerta Abraji, de reportagens de alguns veículos denunciando a situação, de alguns sindicatos, grupos de jornalistas independentes, colegas que são grilos-falantes em redações e chefes que fazem a diferença, parece que estamos passando o seguinte recado, no melhor estilo de Nelson Rodrigues: "Perdoa-me por me sangrar!"
Se fossemos bancários, metroviários ou metalúrgicos, cobraríamos mais nossos patrões sobre uma posição diante dessa violência. Pois há quem ignore essa violência desmesurada sobre seus próprios empregados em nome de sua linha editorial. Além disso, o problema não é a vergonha de sermos vistos como notícia. É a impressão de que temos vergonha de sermos vistos como trabalhadores.
Quando o cinegrafista Santiago Andrade foi morto pelo disparo de um projétil por um manifestante no Rio, a comoção gerada ajudou a desvendar esse crime horrível e a punir os responsáveis. Mas jornalistas feridos em manifestações pelas mãos da polícia normalmente não viram Justiça – o mesmo vácuo que será, provavelmente, sentido pelos colegas agredidos neste ano.
Para além disso, o ataque à impunidade sozinho não vai resolver a questão de como a imprensa é vista ou tratada, pela sociedade ou pelo Estado. Para isso, precisamos também rever nosso próprio comportamento e nos perguntar se fazemos parte desse tecido social ou se acreditamos no mito bobo do "observador independente e imparcial"? Então, abrir um diálogo honesto.
Por fim, tenhamos dignidade de relatar à exaustão o que está acontecendo, listando responsáveis diretos e indiretos, a fim de que cada cicatriz deixada nos colegas seja devidamente deduzida do patrimônio eleitoral dos mandatários e de seus indicados. Ou a gente só é corajoso quando é com os outros?
Abaixo uma lista compilada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo:
Fernanda Azevedo, da TV Gazeta, foi ferida duas vezes. Primeiro, quando se viu encurralada num ponto de ônibus atrás de um grupo de policiais integrantes da chamada "tropa do braço". Após o início da repressão aos manifestantes, Fernanda sentiu uma explosão na altura do rosto. Como segurava uma máscara antigás contra o nariz, sofreu queimaduras no punho esquerdo e no peito, e teve o relógio destruído. Mesmo ferida, seguiu na cobertura até uma bomba de efeito moral explodir muito próximo a seus pés: o segundo ferimento foi provocado por um estilhaço na panturrilha.
A repórter não soube dizer se o que explodiu próximo a seu rosto era uma bomba lançada pela PM ou algum artefato atirado pelos manifestantes. Mas o cinegrafista do UOL Adriano Delgado registrou o momento em que um agente vai até a viatura, apanha alguns explosivos e lança-os para trás, justamente em direção a um grupo de jornalistas.
Pedro Belo, da equipe de vídeo da Veja São Paulo, sofreu uma queimadura no joelho e na panturrilha. Enquanto filmava as agressões, bombas explodiram perto de suas pernas. Pedro foi atendido no local e estava no pronto-socorro 24 horas depois dos ataques para realizar novos curativos.
Márcio Neves, videorrepórter do UOL, registrava a revista a que eram submetidos os manifestantes que chegavam à Praça do Ciclista quando notou que um PM fotografava seu crachá. A pedido, apresentou-lhe também a carteira de jornalista emitida pela Fenaj, mas não conseguiu ler o nome do policial, que escondeu a identificação da farda cruzando os braços.
Alice Vergueiro, fotógrafa da Folhapress, foi encurralada e agredida junto com manifestante por PMs que usavam os cassetetes indiscriminadamente; é possível identificá-la em um vídeo divulgado no Facebook. Continuou fotografando, apesar de ter perdido os óculos e estar com os olhos irritados por gás lacrimogêneo e spray de pimenta.
Francisco Toledo, fotógrafo da agência Democratize, foi atingido por um estilhaço de bomba de efeito moral na batata da perna direita, nas proximidades de um hotel na avenida Paulista. A bomba explodiu a cerca de 2,5 metros de distância. Operado, recebeu sete pontos no ferimento e deve ter dificuldades de locomoção nas próximas duas semanas. O estilhaço da bomba, de 2,5cm, ficou alojado no músculo.
Camila Salmazio, repórter da Rede Brasil Atual, foi encurralada junto com manifestantes na rua Sergipe e tentou sair do cerco erguendo os braços, mostrando o crachá e gritando por socorro. Foi ameaçada por um agente armado e obrigada a retornar ao local onde bombas explodiam. Conseguiu escapar depois de alguns minutos e permaneceu deitada no chão, com dificuldade de respirar por causa da quantidade de gás inalada.
Felipe Larozza, fotógrafo da VICE, registrou um momento incomum: dois PMs atropelaram um homem na esquina da rua da Consolação com a rua Maria Antônia. Os agentes prenderam a vítima do atropelamento, e Felipe registrava a ação quando foi abordado por um dos PMs. Identificou-se como jornalista, mas se recusou a mostrar as fotos em sua câmera. Nesse momento, foi agredido com golpes de cassetete, mas conseguiu fugir.
Raul Dória, fotógrafo freelancer, estava próximo ao cordão de isolamento da esquina das avenidas Rebouças e Paulista quando foi surpreendido por uma explosão muito próxima de suas pernas. Os ferimentos foram leves, mas, com o impacto, caiu no chão. Foi carregado por um policial militar e por um manifestante para dentro de um hotel.
Alex Falcão, fotógrafo da Futurapress, também foi alvo de um artefato detonado muito próximo de seus pés. Ele relata que a situação já estava calma e que nenhum dos profissionais havia furado o bloqueio, mas que mesmo assim houve, inclusive, disparo de balas de borracha. Com pequenos ferimentos nas pernas, seguiu o trabalho.
Caio Cestari, fotógrafo autônomo, estava com um grupo de pessoas próximo ao local onde policiais prendiam um homem, na descida da rua da Consolação. Outros agentes atiraram bombas de gás na direção de todo o grupo, inclusive dos colegas que efetuavam a prisão. Estilhaços feriram-lhe o braço.
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