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Leonardo Sakamoto

"Por favor, me dá um beijo": Formas de sentir vergonha alheia no Carnaval

Leonardo Sakamoto

31/01/2016 12h59

Detesto sentir vergonha alheia.

Aquela vontade de cobrir o rosto e se esconder ao ver outro ser humano se afundando copiosamente e alegremente na lama e, impotente, não poder fazer nada para poder ajudá-lo.

Dar um toque talvez? O problema é que consciência é algo que pode até ser fomentado com informação, mas se desenvolve só, via reflexão pessoal.

Prefiro eu mesmo passar uma vergonha do que sentir vergonha alheia por conta do que esse sentimento patético em loop provoca.

Por exemplo, uma cena recorrente que presencio no carnaval é uma sequência de nãos seguida de um pedido "por favor, me dá um beijo", normalmente com um sujeito que vai pegando no corpo da outra pessoa sem autorização.

Dignidade? Ninguém sabe, ninguém viu. Sabe o fundo do poço? Pois bem, lá tem um alçapão onde esse pessoal consegue ir aonde nenhum homem jamais esteve.

O debate público sobre o machismo nosso de cada diz esquentou no ano passado. Há mais gente empoderada e disposta a não deixar barato esse assédio sexual, inclusive chamando a polícia para por fim ao barato dos cretinos que acham que o corpo alheio é patrimônio público.

O problema é que a vergonha alheia não tem limites.

"Quem está aqui sozinha é porque quer isso."

"A culpa não é minha, olha como você tá vestida!"

"Se saiu de casa assim, é porque está pedindo."

"Me dá um beijo que eu te solto"

"Mas é carnaval, vadia!"

O sujeito aprendeu com amigos e família, viu na televisão, ouviu do chefe, que este é um momento em que as regras de convivência estão suspensas e todos querem sexo. Quando rejeitados, expressam toda a sua perplexidade em bordões.

Rapaz, uma dica: se os seus amigos te chamarem de "frouxo" por você não tratar as outras mulheres, cis ou trans, como carne em açougue, sinta vergonha alheia por eles. "Frouxo" é quem precisa da chancela da opinião de outra pessoa para poder ser feliz.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.