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Leonardo Sakamoto

Enxaqueca - Ou como aprendi a parar de me preocupar e amar o mau humor

Leonardo Sakamoto

22/02/2016 18h27

Prostrado no sofá da sala, com a cabeça latejando feito um bate-estaca das obras de um espigão estilo neoclássico que derrubou um quarteirão inteiro de casinhas (#SãoPauloTúmulodaArquitetura), eu só pensava em uma coisa: Vem, meteoro, vem. E desta vez não foi por conta de nada vindo das redes sociais.

Comecei a sofrer recentemente de enxaqueca crônica. Quem foi amaldiçoado com essa desgraça sabe que, em determinado momento, você passa a desejar que o planeta sucumba e leve tudo junto com ele. Tudo, até carneirinhos fofinhos e bebês bochechudos. Você não quer o belo, o feio. Quer o vazio…

Um barulho, uma réstia de luz, um leve tremor, tudo é motivo para despertar o capeta que existe dentro de nós.

Meia hora com a cabeça embaixo do chuveiro frio é tempo o bastante para ficar culpado pela falta de água e resolver usar um balde. E manter a cabeça dentro de um balde por mais meia hora te dá paz o suficiente para refletir sobre os benefícios de morar sozinho e não ter que compartilhar com ninguém aquela cena.

Depois mais alguns minutos com a cabeça dentro do congelador permite que você se lembre de algo importante: a data de validade dos alimentos. Bater com a cabeça na parede é um clássico – meus vizinhos devem achar que minha casa tem centenas de quadros nessa vida.

Isso sem contar as dicas da Idade Média que a gente recebe de amigos e amigas.

Se eu tivesse ganho dez mangos para cada querido que me recomendou um chazinho tiro-e-queda, eu teria comprado uma banca de ervas no Mercadão.

E os convites para consultas espirituais, então? "Saka, não importa que você não acredita, Deus acredita em você." Eu particularmente acho que se um ser supremo acredita em mim, foi muito mal escolhido para o cargo.

Isso sem contar o desafio de fugir da automedicação alheia. Todo mundo tem sobras de um alguma porcaria que um familiar usou para te empurrar. Mesmo que você explique que não tem câncer, muito menos sofre de hemorroidas e não está grávido, o pessoal diz que é bom mesmo assim. Tipo um elixir. Se ainda fosse morfina ou algo do tipo, vá lá.

E os alimentos que curam? "Leo, você deveria trocar o café por suco de clorofila, por exemplo." E o suco de clorofila tem cafeína, taurina ou qualquer um desses barulhos? Agradeço, mas não é a fotossíntese que eu quero, mas ficar acordado enquanto fecho um texto.

Nessas horas, sinto-me confortavelmente vivendo no século 14. Isso porque ainda ninguém sugeriu sanguessugas ou trepanação craniana para me fazer umas sangrias e me levar de volta ao Egito Antigo.

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No começo, a negação – não é nada, só uma gripe. Depois, vem a ira de estar naquela condição ridícula, seguida pela barganha com a vida (se melhorar, prometo ser menos de esquerda) e a depressão de ver todo mundo ir àquela balada e você ter que ficar trancado num quarto escuro feito o Sloth, dos Gonnies. E sem chocolate. Até aceitar que vai ter que procurar um médico.

No fim das contas, o doutor foi ótimo. O remédio também – apesar de dar um sono bizarro e me deixar um pouco chapadão.

Em um momento de estado de pré-torpor medicamentoso, imaginei que por ter cabeça grande, a enxaqueca deve ser maior e listei meus amigos cabeçudos para precavê-los. Claro que essa lista foi apagada no dia seguinte.

Enfim, a enxaqueca me fez reavaliar muita coisa e a pensar melhor sobre a vida.

Por exemplo, seja colega de trabalho, amigo ou amiga, companheiro ou companheira: se desligou todas as luzes e está quieto num canto com enxaqueca, não chegue perto cantando, nem dê tapas nas costas, não abrace (POR DEUS, NÃO ABRACE!), fale alto ou faça brincadeiras. Não esbanje felicidade muito próximo, não comece a falar sobre seus problemas ou os dele ou dela, não dê bronca ou faça cobrança. Não pergunte se quer algo, não insista sobre a pergunta anterior, nem conte histórias de como algum conhecido superou isso. Não fale de política, de futebol, de fé, de economia (principalmente de economia). Não trate de memes, nem gifs de gatos. Não faça contato visual a menos que seja realmente necessário. A reação ao desrespeito a uma dessas sugestões virá desproporcional e injusta diante de sua ótima intenção.

Mas você estará sempre errado e ele ou ela certos. Sempre. Lide com isso.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.