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Leonardo Sakamoto

Se encarar a votação do impeachment como final de Copa, o Brasil irá perder

Leonardo Sakamoto

17/04/2016 08h13

Quatro considerações para o dia seguinte à votação do impeachment de Dilma Rousseff:

1) A votação do impeachment NÃO É uma final de Copa do Mundo, apesar de parte da sociedade estar vendendo-a como tal. Pode haver torcida por um resultado, campos adversários e muito roer de unhas, mas as semelhanças devem parar por aí. Se o destino do país for visto como um jogo e os que saírem "derrotados" (sejam eles pró ou contra) forem tripudiados e não convidados a reconstruírem as pontes de diálogo derrubadas na escalada de tensão dos últimos meses, veremos um aumento no ódio e no ressentimento e a violência se instalará na ruas.

2) Independentemente do resultado, o país seguirá ingovernável por um bom tempo. Tanto a manutenção de Dilma quanto a ascensão de Temer serão questionadas por setores sociais que não enxergarão legitimidade na mandatária, no mandatário ou em um processo de impeachment/golpe conduzido por Eduardo Cunha. Não estou torcendo pelo caos, o caos já está instalado. Nesse contexto cinza e amorfo, temos que ter especial cuidado com a garantia dos direitos fundamentais, das liberdades individuais, da dignidade do ser humano. E isso se estende da violência policial a manifestantes, à criminalização de movimentos sociais, passando por uma caça às bruxas aos grupos derrotados e à revisão de direitos pelo parlamento.

3) A despeito de alguns excelentes oradores, tanto contra quanto pró impeachment, os discursos dos deputados federais (que começaram na sexta e se estenderam até hoje, domingo) foram um show de horror, mostrando o baixo nível de grande parte de nosso parlamento. Vi aberrações na TV Câmara que, infelizmente, não podem ser desvistas e me acompanharão pela eternidade. Precisamos, urgentemente, de uma reforma política decente – e não aquele apanhadão inútil aprovado no ano passado e que não vai ao encontro do que as ruas pediram em junho de 2013. O único avanço recente foi o veto ao financiamento empresarial de campanhas – e graças ao Supremo Tribunal Federal. Otimizar o sistema, trazer o cidadão para participar mais diretamente dos destino de sua própria vida e educa-lo para a coisa pública é fundamental.

4) A quantidade de boatos e de informações erradas e mal checadas que circulou nos últimos dias foi assustadora e pode influenciar o resultado. Se isso tivesse chegado apenas por redes sociais e sites anônimos, já seria ruim, uma vez que muita gente não vê diferença entre uma notícia com fontes e um meme. Mas conteúdo problemático veio, aos montes, de veículos de comunicação, tradicionais e alternativos. É fato que a vida de colegas que estão cobrindo a crise, neste momento, é um rascunho do inferno: pouca gente para muitas tarefas (a crise econômica, a crise do próprio jornalismo/publicidade e erros de gestão ceifaram postos de trabalho) e falta de recursos para produzir boas pautas – o que significa ir à reboque da agenda de governo e/ou oposição e não conduzir por si investigações que pautem o debate público. Mas pior do que errar mais do que o de costume devido aos fatores listados, são as preferências político-partidárias de alguns veículos vazarem para fora de onde deveriam ficar restritas – os editoriais e páginas de opinião – e chegarem à reportagem, transformando jornalismo em panfletagem. De ambos os lados da disputa. Quando esse rebu acabar, precisamos discutir o papel da mídia no processo. Porque não adianta atacar a democracia e pedir desculpas na próxima retrospectiva de fim de ano.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.