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Leonardo Sakamoto

Pós-impeachment: Os mais pobres irão às ruas para defender seus direitos?

Leonardo Sakamoto

11/05/2016 08h21

Dilma fez um governo ruim que decepcionou quem a elegeu. Apesar disso, há muita gente boa trabalhando na administração federal para implantar e manter políticas públicas visando à efetivação dos direitos fundamentais – da mesma forma que também havia no governo Lula ou FHC.

Muitos não acreditam nisso e acham que tudo se resume a uma luta do bem contra o mal, em parte por culpa de um debate público enviesado, empobrecido e emburrecedor, que simplifica o que é complexo até perder todas as nuances. Rejeita-se toda explicação que não couber em dez segundos ou 140 caracteres porque é longa demais.

Bons profissionais, que colocam o bem comum acima dos interesses partidários, paroquiais ou individuais, passaram as últimas semanas analisando como garantir que certas políticas sociais, culturais, ambientais, trabalhistas não deixem de existir com a transição repentina, que será ratificada pelo Senado Federal nesta quarta. Não estou falando de programas mais visíveis, como o Bolsa Família, mas de centenas de ações que começaram com petistas ou tucanos e que ajudaram a tirar direitos pensados na Constituição Federal de 1988 do papel.

Conversei em Brasília com muita gente que está com profundas olheiras por articular e planejar no intuito de garantir a continuidade do que funciona bem.

Nessa hora, percebemos o quanto algumas de nossas conquistas históricas são frágeis, podendo ser derrubadas com mudanças na direção do vento – neste caso, o provável fim do ciclo "social-democrata"/"trabalhista" (está entre aspas de propósito porque PSDB e PT deram novos significados a esses termos…), que se iniciou em 1994 e termina nesta quarta (11). Frágeis pela própria incompetência dos governos até aqui, que acreditaram que alguns avanços estariam consolidados.

Andando pelo corredores do Congresso Nacional, ouvimos listas e listas de leis que serão aprovadas nos próximos meses para "flexibilizar" alguns desses direitos em nome do crescimento econômico rápido ou da garantia de vantagens para grupos que apoiaram a mudança política. A "Ponte para o Futuro", do PMDB, pode ser, na verdade, um viaduto para o passado. Em outros casos, será mais fácil ainda, com a execução de programas minguando até permanecerem no mínimo patamar possível para que o governo não seja acusado de interrompê-los.

Em última instância, contudo, a diferença será garantida não nos gabinetes, mas nas ruas. Pois é o povo que vai dizer se uma lei ou um programa social deixará ou não de ser executado. Se não aceitar que determinado direito vire pó – como o direito de não ser escravizado em fazendas e canteiros de obras ou o direito de receber uma aposentadoria de, pelo menos, um salário mínimo por tantos anos trabalhados – terá que se mobilizar. E deixar claro que não aceita retrocessos.

Como mostram os instituto de pesquisa, como o Datafolha, a população mais pobre não foi às ruas nem a favor, nem contra o impeachment. Muito menos a maioria dos jovens que coalharam as ruas em junho de 2013. Estão em compasso de espera por não se verem representados pelo que esta aí. A dúvida é se, a depender de como soprar o vento agora, eles explodirão a fim de dizer "não" para quem tentar suprimir os poucos direitos que têm.

De qualquer forma, inauguramos agora um momento delicado. Pelo macarthismo à brasileira que se espreguiça no horizonte, a luta por direitos voltará a ser caso de polícia. Ou, pior, de terrorismo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.