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Leonardo Sakamoto

Sarney se diz revoltado? Revoltados ficamos nós quando beijam a mão dele

Leonardo Sakamoto

07/06/2016 17h04

O procurador geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo Tribunal Federal um pedido de prisão para Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Renan Calheiros (PMDB-AL), Romero Jucá (PMDB_RR) e José Sarney (PMDB-MA). A justificativa para o pedido dos três últimos são as gravações feitas por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro que mostram que eles estavam envolvidos em uma trama para atrapalhar as investigações da Lava Jato.

O ex-presidente da República divulgou uma nota em que se diz "perplexo, indignado e revoltado". Achei a nota (em negrito) fascinante e achei que valeriam alguns dados para contextualizar a discussão.

"Estou perplexo, indignado e revoltado."

O Maranhão apresenta a menor expectativa de vida na média de homens e mulheres (70 anos), de acordo com a Tábua de Mortalidade do IBGE divulgada no ano passado. São mais de oito anos a menos que Santa Catarina (78 anos e quatro meses), que ocupa o primeiro lugar, e cinco abaixo da média nacional (75 anos e dois meses). No Maranhão, a expectativa das mulheres é de 74 anos (no Brasil, 78 anos) e dos homens 66 anos (no Brasil, 71). Lembrando que 66 anos é um ano a mais do que a idade mínima para aposentadoria sonhada pelo governo Temer.

"Dediquei 60 anos de vida pública ao País e à defesa do Estado de Direito."

Possui a segunda pior taxa de mortalidade infantil do país, apenas atrás de Amapá (onde, aliás, Sarney era senador), com 23,5 crianças com menos de um ano mortas para cada mil nascidas vivas. A média nacional é de 14,4 para 1000. A menor taxa está no Espírito Santo (9,6/1000).

"Julguei que tivesse o respeito de autoridades do porte do Procurador Geral da República."

Em 2015, a renda per capita média do brasileiro chegou a R$ 1113,00, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE. Enquanto o Distrito Federal ficou em primeiro, com R$ 2.252,00, o Maranhão amargou o último lugar, com R$ 509,00.

"Jamais agi para obstruir a Justiça. Sempre a prestigiei e fortaleci. Prestei serviços ao País, o maior deles, conduzir a transição para a democracia e a elaboração da Constituição da República."

As três piores cidades em renda per capita pertencem ao Maranhão, de acordo com o último Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) – Marajá do Sena (R$ 96,25), Fernando Falcão (R$ 106,99) e Belágua (R$ 107,14). Na média dos municípios, o Estado possui o segundo pior IDHM do país, perdendo apenas para Alagoas. Os valores não chegam nem perto de cumprir o que está previsto como definição de salário mínimo presente no artigo 7º, inciso IV, da Constituição da República: "capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social".

"Filho de magistrado e de membro do Ministério Público, mesmo antes da nova Constituição promovi e sancionei leis que o beneficiam, inclusive a criação da Ação Civil Pública e as mudanças que o fortalecem, sob a liderança do Ministro Sepúlveda Pertence, meu Procurador Geral e patrono do Ministério Público."

Sem desmerecer todas as denúncias de corrupção, nepotismo, desvio de verbas públicas, entre outras, que recaem contra o ex-presidente da República, a miséria em que se encontra boa parte do povo maranhense já era motivo suficiente para qualquer cidadão exigir a sua prisão.

"O Brasil conhece a minha trajetória, o meu cuidado no trato da coisa pública, a minha verdadeira devoção à Justiça, sob a égide do Supremo Tribunal Federal."

O Maranhão, sob o domínio dos Sarney e amigos por décadas, não só permaneceu nas piores posições nos indicadores sociais, mas também viu suas terras serem desmatadas e poluídas, latifúndios crescerem, trabalhadores serem escravizados e assassinados, comunidades tradicionais serem ameaçadas e expulsas, a educação ser sucateada, os meios de comunicação ficarem concentrados nas mãos de poucos políticos. Sarney, em determinado momento, teve que se candidatar a senador pelo Amapá para não ficar fora do jogo político.

Não, senhor ex-presidente. Nós é que estamos perplexos, indignados e revoltados pelas décadas de atraso social a que seu clã condenou o Maranhão. E com os políticos, que se dizem de esquerda ou de direita, que beijam ou beijaram a sua mão em nome da governabilidade ou de algum tipo indecifrável de sado-masoquismo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.