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Leonardo Sakamoto

O pensamento raso brasileiro que se acha melhor por ter mais dinheiro

Leonardo Sakamoto

02/07/2016 12h01

Você sabe com quem está falando?
Teu salário paga só a ração do meu cão.
Conheço gente importante, tô cagando!
Cê vai perder seu emprego, meu irmão.

"Senhor", não! Me chame de "doutor"!
Vai morrer dirigindo ônibus, seu otário.
Aeroporto com gente pobre é um horror.
O povo nesse shopping não era ordinário.

Isso que dá vir em lugar com essa gentinha.
Desculpe, mas marca de pobre não vou usar.
A aluna cotista tem cara de trombadinha.
Antes, as pessoas sabiam bem o seu lugar.

O dólar alto espanta de Miami aquele povinho.
Só passa fome, neste país, quem não trabalha.
Não sei quem foi, mas deve ter sido o escurinho.
Este clube não deveria aceitar tipo de gentalha.

A ausência de conhecimento sobre o outro leva ao medo e colabora com comportamentos e frases bizarras, revelando o lado mais sombrio da alma de cada um. Não se espera que os mais ricos passem a defender que os mais pobres tenham os mesmos direitos que eles – isso é o sistema. O que não significa que não tenhamos que lutar para garantir que esses direitos sejam efetivados.

Chegará o dia em que será comum responder "Quem você pensa que é" para quem rosnar "Você sabe com quem está falando?". Mas, mesmo com muito trabalho de educação para os direitos humanos, concomitante a mudanças estruturais para garantir que a República realmente sirva ao interesse comum, ainda assim levará um rosário de gerações até que frases forjadas pelo preconceito e a soberba tornem-se peça de museu.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.