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Leonardo Sakamoto

França: Não será a guerra ao terror que acabará com o terrorismo

Leonardo Sakamoto

15/07/2016 10h48

Se dificultam o acesso à pólvora e a explosivos plásticos, criam bombas a partir de produtos de limpeza. Se colocam substâncias químicas na lista de produtos controlados, explodem carros ao lado de mercados, escolas e construções. Se criam cordões de isolamento para proteger edifícios, arremessam aviões. Se aumentam a segurança nos aeroportos, atacam baladas. Se controlam a entrada de pessoas suspeitas em locais fechados, atropelam pessoas na rua com um caminhão por dois quilômetros, matando mais de 80 delas, muitas das quais crianças.

O atentado terrorista em Nice, na França, ocorrido nesta quinta (14), durante as comemorações do feriado da Queda da Bastilha, esconde uma verdade incômoda. A chamada "guerra ao terror" não foi, não é e nunca será efetiva no seu intuito. Pelo contrário, tem contribuído em ajudar a inventividade humana a encontrar, diante de inócuas proibições, diferentes formas de matar em massa seus semelhantes.

Mesmo se for adotada uma das supremas ignomínias defendidas por políticos bizarros e populistas – excluir uma etnia, cidadania ou religião de determinado território sob a justificativa de segurança nacional – é bem provável que continuarão ocorrendo ataques. Afinal, não são imigrantes ou o islã os responsáveis pelo terrorismo, mas discursos e interpretações violentos, que apontam saídas fáceis para situações complexas, que encontram terreno fértil para crescerem e se desenvolverem. Terreno que pode ter a mesma cor de pele e nacionalidade da maioria dos moradores que são alvos de ataques.

O terrorista não precisa vestir capuz e casaco de couro pesado, carregando mochilas e tendo comportamento estranho, como anunciou em patético aviso a Agência Brasileira de Inteligência. Mas ser seu irmão, seu colega de trabalho, seu amigo, vestido de roupas leves e coloridas.

Medidas de combate ao terror servem mais para justificar à população dos países que são alvo dos ataques que algo tem sido feito em resposta. Até porque a realidade – que tudo isso de pouco ou nada adianta – é cruel demais e até insuportável para a vida em sociedade. Afinal, significa uma fragilidade e uma vulnerabilidade fortes demais para suportarmos.

Mortos após um caminhão se chocar contra uma multidão em Nice, na França. Foto: Eric / Reuters.

Mortos após um caminhão se chocar contra uma multidão em Nice, na França. Foto: Eric / Reuters.

Sabemos que muitos dos países que são vítimas do terror são os mesmos que sempre o fomentaram, com suas intervenções em busca do controle de petróleo ou de inconsequentes cálculos geopolíticos. Para entender o terror, faria muito mais sentido, por exemplo, voltar os olhos à Arábia Saudita, mas como ela é aliada do Ocidente, culpa-se apenas aos açougueiros do Estado Islâmico pelo caos.

A história da humanidade é uma história de luta por valores, pelo processo de dar significado à vida e ter hegemonia e controle sobre esse significado. E a chance (por mais demodê que pareça defender esperança nesses tempos sombrios), ainda é promover um diálogo multicultural e respeitoso entre as diferentes civilizações e os significados que cada uma dela dá à ideia de dignidade, construindo, de forma lenta e gradual, um sistema internacional de respeito aos direitos humanos.

Pois a forma mais sustentável de um povo ou uma comunidade libertarem-se do jugo da opressão religiosa ou da tirania social e econômica a que estão submetidos ou tornaram-se mais resistentes à propaganda ideológica violenta é através da construção da consciência sobre si mesmos, seus direitos, o mundo que o cerca e a fragilidade de nossa própria existência. E, sobre isso, temos falhado retumbantemente.

Nada que vem de cima para baixo ou de fora para dentro será capaz de produzir efeitos efetivos e duradouros nesse sentido. Nenhuma ação pirotécnica garantirá segurança à população.

E não rezem por Nice. Não creio que exista nada olhando por nós. Mas se houver uma divindade, certamente ela deve estar se perguntando por que, ao invés de matar e morrer por ela, nós não conseguimos viver em função de nós mesmos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.