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Leonardo Sakamoto

Governo pretende ocupar bairros ricos do Rio para garantir Olimpíadas

Leonardo Sakamoto

19/07/2016 08h04

Acho um absurdo a forma como são feitas as ocupações em bairros pobres no Rio de Janeiro com o objetivo de garantir a segurança em grandes eventos na cidade. Nelas, os direitos fundamentais são tratorados pela "tranquilidade".

Como se um bairro inteiro fosse constituído de meliantes. Isso quando o próprio bairro não é removido em nome da especulação imobiliária, ops, das Olimpíadas.

O triste é que boa parte das classes média e alta não mexe um músculo de preocupação por conta disso. Pergunto-me, contudo, qual seria o comportamento das mesmas pessoas caso a notícia fosse o título fictício deste post. O anúncio, certamente, causaria comoção.

O Estado fortemente armado ocupando favelas tornou-se tão corriqueiro quanto o fechamento do Minhocão, em São Paulo, e de uma pista da avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, aos domingos, para o lazer. Afinal, antes a pimenta nos olhos dos outros do que nos meus.

Adotamos o pressuposto de que favelas são um risco porque nelas estão alguns indivíduos ou organizações envolvidas em violência armada organizada. Dane-se a maioria pacífica. Agimos preventivamente para evitar o pior.

Sendo que nós ajudamos a gestar essa violência ao não exigir que o Estado garantisse qualidade de vida e cidadania através de serviços básicos como educação, saúde e lazer nesses locais. Ou mesmo uma perspectiva de futuro à juventude que, dessa forma, acaba empurrada para o tráfico.

Por essa lógica, então, também podemos considerar que a presença da Força Nacional ou do Exército em bairros ricos de São Paulo, Rio, Salvador e Brasília, entre outros lugares, onde moram empresários, banqueiros e políticos que lucraram horrores com superfaturamentos e maracutais relativas à construção e realização dos jogos, poderia ser usada para estancar o desvio de bilhões dos cofres públicos. Pois dane-se a maioria honesta. Agiríamos preventivamente para evitar o pior.

Dessa forma, a gente democratiza o absurdo.

Parte das próprias forças de segurança não querem ocupar comunidades pobres, pois sabe que elas serão apontadas como responsáveis se houver problemas. E tendo em vista algumas das desastrosas ações durante a Copa do Mundo, podemos considerar que elas têm razão.

Em última instância, militares são treinados para matar. E, até onde eu saiba, em uma democracia, eles não estão em guerra com seu próprio povo. Em tese, é claro.

Na prática, o poder público utiliza os jogos para limpar o Rio das "classes indesejáveis".

Parte da população e dos governantes apoia esse tipo de ação. Gosta de se enganar e acha que estará mais segura com o Estado agindo "em guerra" contra a violência – como se isso não fosse, em si, um contrasenso.

Mas parafraseando o Capitão Nascimento: bota na conta dos jogos. E bora desviar a atenção de onde estão os verdadeiros problemas relacionados à Copa e às Olimpíadas: não nos morros e periferias, mas dentro dos palácios.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.