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Leonardo Sakamoto

E quando os comentaristas da internet assistem aos Jogos Olímpicos?

Leonardo Sakamoto

09/08/2016 17h39

Não é de hoje que a ciência estuda a alteração no comportamento dos seres humanos quando se juntam em bando. Mais especificamente o sentimento de liberdade que brota da identidade dissolvida em uma multidão. De Hanna Arendt a Alfred E. Newman, muitos são os que se debruçaram sobre o fato de que, agregado em forma de massa, o indivíduo, nas condições certas, se torna um completo imbecil. E, como diria a Sessão da Tarde, apronta as maiores confusões.

Esses estudos ganharam novos patamares com a popularização da rede mundial de computadores. Se a fria tela de um computador, por um lado, traz uma pretensa sensação de anonimato, por outro dificulta a formação da empatia, da capacidade de reconhecer-se no outro ser humano e entender que ele possui os mesmos direitos que você demanda para si.

Devo admitir que tem sido uma experiência antropológica única poder presenciar esses semoventes em ação no ambiente online e offline. Ou receber relatos de como agem digitalmente e, depois, transferem seu comportamento de comentarista virulento de redes sociais para ambientes como manifestações de rua ou arquibancadas de Jogos Olímpicos.

No primeiro caso, lendo as mensagens que algumas pessoas carregam, parece que o pior do Facebook e do Twitter fugiu da rede e materializou-se na forma de cartolinas e pincéis atômicos. No segundo caso, ataques racistas, machistas, homofóbicos, lesbofóbicos, transfóbicos, xenófobos e com o melhor do nosso preconceito de classe social atingindo atletas dentro e fora da rede.

Poder-se-ia afirmar (tempos de mesóclise, vivemos nós), que todo esse comportamento bestial já era, historicamente, encontrado entre alguns dementes em estádios de futebol. Decerto a violência ali presente cacifaria esse ponto de vista, mas amigos que estão acompanhando os jogos relatam que se sentiram, em alguns casos, em uma caixa de comentários com os mesmos templates de ignorância utilizados nas discussões políticas do último ano.

Se o debate público fosse mais qualificado, uma pessoa pensaria duas vezes antes de dizer groselha com medo de ser humilhado por outras pessoas no Facebook, no Twitter ou no WhatsApp ou em uma arquibancada de Jogos Olímpicos.

A sensação de anonimato e o sentimento de impunidade contribuem para o cenário, mas há algo mais. O discurso violento e opressor – mais palatável e que mexe com nossos sentimentos mais primitivos e simples – ecoa e repercute. Esse discurso basta em si mesmo. Não precisa de nada mais do que si próprio para ser ouvido, entendido e absorvido. Faz sucesso na rede. Cola rápido, cola fácil, tornando-se vetor para alcançar fama em um ambiente onde grassa a ignorância.

Essa qualificação, é claro, vem de um processo que envolve escolas, famílias, igrejas, sociedade civil e mídia. Ou seja, todos nós. Pois é no momento em que pessoas conscientes se calam, cansadas da intolerância, da violência e da opressão, que a intolerância, a violência e a opressão encontram terreno sem resistência para avançar.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.