Topo

Leonardo Sakamoto

Quantos medalhistas teríamos se não matássemos tantos jovens?

Leonardo Sakamoto

10/08/2016 18h29

Devido ao trabalho de cientistas como Louis Pasteur, a teoria da geração espontânea caiu em desgraça e tornou-se motivo de piada. Mesmo assim, ela segue viva por quem acredita que não há relação direta entre garantir condições de vida decentes aos mais jovens e o resultado de um país em Jogos Olímpicos.

Vitórias em eventos esportivos não acontecem do nada, são parte de um processo longo de construção e planejamento. E não estou entrando na discussão sobre quais instituições deveriam contribuir para o desenvolvimento de um atleta. Mas das politicas necessárias para garantir que crianças e adolescentes pobres continuem vivos nas periferias pelo país para poderem efetivar seu potencial para o esporte.

Filhos de famílias ricas raramente começam a trabalhar efetivamente antes dos 25 anos de idade (dados informados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e depois de muito investimento em formação cultural, intelectual e acadêmica, além de tempo para se dedicar a um esporte.

Enquanto isso, filhos de pais pobres são condenados a começar a trabalhar cedo, encontrando mais barreiras para avançar com sua formação educacional. Têm que suar em dobro para poder se dedicar a algum esporte quando não encontram apoiam do poder público ou de alguma organização social. Por fim, talentos são desperdiçados e acabam ocupando postos de baixa qualificação e péssima remuneração que compõem a base do mercado de trabalho.

Isso, é claro, quando dão a sorte de sobreviver, uma vez que o gráfico brasileiro de expectativa de vida mostra que a chance de uma pessoa jovem, negra e pobre morrer de forma violenta é bem maior que o restante de nós. Esse pessoal, na prática, é um sobrevivente e mereceria uma medalha simplesmente por isso.

Não tenho dúvida que após a aprovação da redução da maioridade penal e da idade mínima para se trabalhar, haverá comemoração em várias partes do país. E muitos congressistas que usaram o ódio e o medo para fazer campanha a favor de ambas as propostas serão incensados pela população.

Da mesma forma, não tenho dúvida de que as gerações que virão depois de nós olharão com desprezo para a nossa sociedade. E seremos tratados pela história com um sentimento de pena.

Tal qual pensamos em um camponês da Alta Idade Média, que achava que o sol girava em torno da Terra. Ou um morador de algum vilarejo que acreditava piamente que nova vida brotava do nada. Feito um milagre.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.