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Leonardo Sakamoto

"Este país é estranho" ou Como mais uma notícia falsa incendiou as redes

Leonardo Sakamoto

17/08/2016 09h48

Não, o técnico francês do atleta francês, segundo lugar no salto com vara, não disse que o candomblé estava por trás da vitória do brasileiro. Ele havia comentado que "este país é estranho", espantado com a recuperação de Thiago Braz no final da prova. Um repórter francês fez um comentário sobre a declaração, uma "licença literária", em sua matéria, e uma agência de notícias traduziu como sendo do técnico a declaração.

Antes de mais nada, é importante dizer que, assim como a morte chegará a todos nós, erros vão ocorrer no jornalismo. Somos humanos. Portanto, não é sua natureza inevitável que está em discussão, mas as formas de diminuir sua ocorrência, seu impacto e corrigir rapidamente o que foi divulgado equivocadamente.

Há duas décadas, o erro seria solucionado na edição seguinte sem causar tanta repercussão quanto agora – um mundo conectado em tempo real, no qual primeiro se comenta um título que correu na timeline da rede social para – depois, talvez, quiçá um dia – ler o conteúdo da matéria em questão.

Ou seja, o pior não foi parte dos leitores de redes sociais xingarem loucamente o técnico do atleta francês baseado nessa situação e depois fazerem a egípcia e nem se dignarem a compartilhar a correção. O pior é lembrar que isso acontece normalmente no jornalismo e, na maioria dos casos, que não conta com a mesma atenção da mídia, nós nem ficamos sabendo qual era o problema.

Recentemente, uma agência de conteúdo brasileira publicou um texto que dizia que integrantes do MST, em Goiás, haviam sido presos com base na lei antiterrorismo – o que não era verdade. A história, com a pauta na ordem do dia e plausível, bastou para que fosse replicada aos borbotões por jornalistas e leitores. Quem conhecia minimamente a lei, contudo, sabia que aquilo não era sustentável. Quem tinha lido com cuidado o texto da agência e acompanha o tema também não. Mas tempo é commodity em falta ultimamente na comunicação.

Nas redes sociais, "verdade" é tudo aquilo com a qual concordamos e "mentira" é aquilo do qual discordamos. Então, se algo pode ser utilizado para reforçar nossa visão de mundo, será devidamente retuitado, compartilhado, ganhará uma chuva de likes. Desmentidos, correções ou explicações, por outro lado, por não terem a mesma graça ou demonstrarem nossa inocência ou incompetência, não chegam a ter o mesmo alcance do erro ou boato original.

Isso também mostra o quanto o jornalismo profissional, com cada vez menos dinheiro e gente para produzir conteúdo próprio e checar o de terceiros, vai se tornando não um curador de informações (sejam elas de agências, sejam dos próprios leitores), como imaginávamos, mas um reprodutor automático de notícias. Com todos os impactos negativos que isso causa.

Reputações nascem e reputações morrem de uma hora para outra por conta disso. Talvez se o jornalismo brasileiro tivesse lido o original do texto em francês, o entendimento teria sido diferente. Ou, melhor, talvez se a informação tivesse sido checada com o próprio técnico antes de publicada, a história teria sido diferente. Mas, isso significa perder espaço (leia-se, pageviews) para a concorrência ou a primazia do comentário (e, portanto, da interpretação do fato) nas redes sociais.

Fico assustado com a quantidade de coisa mal checada e precipitada que circula pelas redes sociais, principalmente em momentos de grande comoção, como uma eleição ou um grande evento esportivo. Boatos sempre existiram, espontâneos ou criados com finalidades políticas. Em 1789, por exemplo, circularam notícias falsas de que as brigadas da Revolução Francesa iriam massacrar os camponeses ou destruir suas plantações. Este caso, que ficou conhecido como o "grande medo", pode ter se originado por ordem dos ingleses ou da aristocracia francesa. O problema é que, agora, tudo isso é transmitido em massa e em tempo real.

Se as redes sociais ajudam a furar bloqueios e a questionar estruturas tradicionais de poder, elas também desinformam. Tem sempre alguém distorcendo ou descontextualizando informação e divulgando-a, por ignorância, má fé ou visando a um objetivo pessoal ou de seu grupo. Ou aqueles que misturam realidade e desejo, fato e ficção, consciente ou inconscientemente.

Fiz com a ajuda de colegas jornalistas, há algum tempo, dez conselhos para usar bem o Twitter e o Facebook na cobertura de um acontecimento. Publico eles novamente.

Nem sempre é possível garantir que a informação que você está consumindo tenha qualidade. Mas tentar é preciso. E, na dúvida, lembre-se do princípio iluminista de que "a água é sempre mais fresca quanto próxima da fonte estiver". Ou seja, em casos polêmicos, antes de sair compartilhando, procure a fonte original da informação.

E o apelo aqui é para os colegas, pois temos mais responsabilidade nessa história. Como (ainda) não há uma educação para a mídia feita através do sistema de educação básica, temos um papel relevante na mediação desses conteúdos e ao atestar credibilidade. Por mais que a vida não esteja fácil com a redução de mãos para ajudar no dia a dia das redações.

Os Dez Mandamentos para Jornalista Profissional (ou Não) de Facebook e Twitter

1) Não divulgarás notícia sem antes checar a fonte da informação.

2) Não divulgarás notícias relevantes sem atribuir a elas fontes primárias de informação. Um "cara gente boa", um veículo famoso ou uma BFF não são, necessariamente, fontes de informação confiáveis.

3) Tuítes e posts "apócrifos", sem fonte clara, jamais serão aceitos como instrumento de checagem ou comprovação.

4) Não esquecerás que informação precede opinião.

5) Não repassarás informações que não fazem sentido algum só porque você não gosta da pessoa em questão.

6) Lembrarás que mais vale um tuíte ou post atrasado e bem checado que um rápido e mal apurado. E que um número grande de retuítes, compartilhamentos e "likes" pode garantir reputação, mas não credibilidade.

7) Não matarás – sem antes checar o óbito.

8 ) Não esquecerás que a apuração in loco, por telefone e/ou por e-mail precede, em ordem decrescente de importância, o chute. E que checar com a fonte original ainda é o melhor negócio.

9) Não terás pudores de reconhecer, rapidamente e sem poréns, o erro em caso de divulgação ou encaminhamento de informação incorreta.

10) Na dúvida, não retuitarás, compartilharás ou darás "like" em coisa alguma. Pois, tu és responsável por aquilo que repassas e atestas. Ou seja, se der merda, você também é culpado.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.