Uma medalha de ouro é capaz de mudar o humor político do país?
Jogos são usados para distrair, alienar e conduzir a plebe há muito tempo. O pessoal que sangrava no Coliseu, em Roma, que o diga.
Mesmo ao longo de nossa história, o futebol foi utilizado com fins políticos. Não faltam livros, teses e documentários para quem quiser se informar sobre a ditadura militar e a Copa de 1970, na qual ganhamos o direito de derreter a Jules Rimet.
Por isso, o futebol é uma idiotice? Não, o futebol é fantástico, é sensacional, é indescritível. Imbecil é quem o usa politicamente – seja um governo que quer se promover através dele ou de seus opositores que querem desgastar o governo utilizando-o.
Não há uma relação direta entre a manutenção do grupo no poder e quem ganha a Copa desde a redemocratizacão, da mesma forma que não deve haver relação entre a política brasileira e um ouro olímpico no futebol.
Em 1994, levamos a Copa e o ministro da economia do governo anterior foi eleito presidente.
Em 1998, perdemos, mas Fernando Henrique foi reeleito.
Em 2002, ganhamos e o governo anterior não fez seu sucessor e Lula chegou ao poder.
Em 2006, perdemos, mas ele foi reeleito.
Em 2010, perdemos, mas Dilma manteve o PT no poder.
Em 2014, perdemos, mas Dilma foi reeleita.
Pode-se discutir 1994 e 2002 sob a ótica do sentimento de mudança, claro. Muita gente pesquisa sobre esse tema, há muito tempo, mas não chegou a um consenso. E não há um resultado único para essas análises.
A verdade é que a economia segue explicando muito mais o comportamento eleitoral e o humor político do país do que o futebol ou mesmo denúncias de corrupção em um governo. Se a economia estivesse bem, FHC teria feito seu sucessor. E, talvez, se ela seguisse bem, o impeachment não teria ocorrido com Dilma. Como a História não aceita o condicional "se", nunca saberemos.
Por mais que muitos de nós tenhamos adorado a festa campal que foi a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, ou mesmo celebrado o ouro olímpico no futebol, isso influencia menos no estado de espírito individual ou geral do que a obtenção de emprego, entrar em uma boa faculdade pública ou conseguir um tratamento médico sem longas filas no sistema público de saúde. Ou, melhor: a percepção futura de que isso vá acontecer ou que a situação vá ser melhor.
Olimpíadas e Copa são temas políticos, contudo. Porque, por mais divertidas que tenham sido as festas, o legado deixado tanto na formação de atletas quanto na infraestrutura nacional, em ambos os casos, foi pífia. Foi a política que tornou possível rios de dinheiros fluírem para grandes empreiteiras para montar os grandes eventos, foi a política que expulsou comunidades para darem lugar aos jogos, foi a política que autorizou e conduziu uma política de gentrificação que vem tornando o Rio uma cidade proibida para os mais pobres, foi a política que criou o ambiente para que operários fossem escravizados e mortos na construção de obras, foi a política de desceu a borracha em quem protestava pacificamente contra esses eventos, foi a política que aumentou a vigilância e o aparato estatal de violência usados contra o cidadão comum sob a justificativa de combater o terrorismo.
Atletas competiram e quebraram recordes ou chegaram em último, não importa, deram o melhor de si, portanto não têm a ver com isso e merecem nosso respeito. A menos que emprestem seu prestígio para legitimar políticos e instituições que queiram se beneficiar do suor alheio.
Por fim, quem gosta de futebol, mas está deprimido com a situação política do país não pode celebrar o ouro olímpico? Olha, acho que tem gente que precisa ganhar um abraço bem apertado. Além do mais, as coisas têm os significados que construímos para elas. Essa construção pode ficar na mão de narradores de futebol, jornalistas, economistas, padres, pastores e políticos em geral. Ou ser feita de forma coletiva, por todos nós. Tendo a considerar a segunda alternativa melhor.
A menos que sejamos gado. Mas gado não joga bola.
PS: Imagina como seria a vida se outros esportes tivessem uma mísera parte do que o futebol na TV? Ou mesmo o futebol feminino? Esportistas não ganhariam reconhecimento apenas a cada quatro anos, apoios e patrocínios privados surgiriam pela exibição de marcas e despertaríamos interesse de muito mais jovens para outra modalidades. Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? Não importa, a mudança tem que começar de algum lado.
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