Topo

Leonardo Sakamoto

E quando seus filhos perguntarem: Pai, mãe, o que era o tal de 13o salário?

Leonardo Sakamoto

11/09/2016 14h13

Não é novidade que o governo do PMDB atue para que a operação Lava Jato tenha um fim o mais breve possível. É questão de sobrevivência própria. Mas, vale lembrar, há setores do empresariado nacional que concordam, justificando-se em nome da "tranquilidade" para a retomada do crescimento.

Parece contraditório, uma vez que a estrutura de corrupção vigente na República, que não nasceu agora, mas vem desde sempre, drena recursos do bolso de empreendedores honestos.

Mas não é. Como já disse aqui mais de uma vez, há uma parte do empresariado que quer que Michel fique porque Michel prometeu flexibilizar a CLT, permitir a terceirização da atividade-fim (alô, pejotização!) e garantir a livre negociação entre patrões e sindicatos mesmo passando por cima da lei. E aplaude o governo em eventos quando o assunto é trazido à tona.

Some-se a isso demandas como parar de punir empresas que usam trabalho escravo, afrouxar regras de licenciamento ambiental, deixar os pobres sonegadores em paz, entre outras.

Apenas um governo que não foi eleito e que não poderá ser reeleito – e, portanto, não possui compromissos com nada além de si mesmo – pode fazer o que pareceria impossível para PSDB e PT.

A classe trabalhadora segue assistindo a tudo bestializada sem saber ao certo o que está acontecendo porque suas fontes principais de informação não deixam isso claro ou não pintam o quadro completo.

Aliás, "Direitos Trabalhistas" deveria ser disciplina obrigatória no currículo escolar, tanto da educação básica quanto na formação de jornalistas – para não acreditar em qualquer groselha que circula via redes sociais e para que colegas desconfiem de besteiras ditas por supostos "especialistas" ou mesmo por membros do governo.

A sociedade muda, a estrutura do mercado de trabalho muda, a expectativa de vida muda. Portanto, as regras que regem as relações trabalhistas podem e devem passar por discussões de tempos em tempos. E, caso se encontrem pontos de convergência que não depreciem a vida dos trabalhadores, não mudem as regras do jogo no meio de uma partida e atendam a essas mudanças, elas podem passar também por uma modernização.

Mas como isso envolve direitos que garantem uma qualidade mínima de vida dos mais pobres, a discussão não pode ser conduzida de forma autoritária ou em um curto espaço de tempo. Em curto espaço o que você faz é golpe nos direitos.

Em outra circunstância, greves gerais começariam a ser desenhadas para evitar esses retrocessos. Mas a efetividade disso vai depender de quem o sindicalismo brasileiro representa: os trabalhadores ou a si mesmo.

No ritmo em que as coisas andam, não me espantaria ver anúncios estampados em páginas duplas de revistas semanais de circulação nacional (se a internet não tiver as engolido antes), dizendo: "O Banco X pensa em seus empregados. Ele paga 13o salário a todos. Isso sim é responsabilidade social".

Ou algum dos prêmios do tipo "Melhor Lugar para se Trabalhar no Brasil" anunciar que o ganhador é uma empresa que garante 30 dias de férias ao ano para seus "colaboradores".

E nossos filhos olharão para aquilo e, espantados, perguntarão: "mãe, o que é 13o?" ou "Pai, sua empresa não tem essa tal de férias?"

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.