O metrô de São Paulo coleciona cadáveres. E a culpa é de forças malignas
Em janeiro de 2007, sete pessoas morreram após serem engolidas por uma cratera aberta no local onde hoje fica a redonda estação Pinheiros da linha 4. O consórcio responsável Via Amarela (Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Alston) chegou a culpar, na época, a natureza, o terreno, as chuvas, rochas gigantes, o Imponderável da Silva, enfim, grandes forças malignas do universo contra as quais He-Man lutava, pela tragédia.
De acordo com a decisão proferida pela juíza Aparecida Angélica Correia, da 1a Vara Criminal de São Paulo, e divulgada, nesta terça (18), pela Folha de S. Paulo, não ficou provado no processo que os cinco funcionários do metrô e os nove do consórcio construtor e de empresas terceirizadas tinham condições de evitar o acidente. O Ministério Público vai recorrer.
Contudo, se houve tempo para retirar os operários, também haveria para interditar o entorno e evitar seis das sete mortes.
A linha 4-amarela, aliás, colecionou cadáveres. Além dos sete já citados, em outubro de 2006, um operário morreu soterrado após um túnel de 25 metros de profundidade na futura estação Oscar Freire desabar. Os responsáveis pela obra, na época, negaram-se a dar qualquer justificativa.
Em fevereiro de 2011, um engenheiro de um empreiteira terceirizada morreu eletrocutado com uma descarga de 20 mil volts enquanto trabalhava nas obras da linha 4. O Metrô informou que, "por intermédio do Consórcio Via Amarela, tomará todas as providências cabíveis e dará todo o apoio necessário à família". Tipo: "mal aê".
Mas, sejamos justos, não se morre apenas na Via Amarela. Por exemplo, um operário foi morto em dezembro de 2009 nas obras de expansão da linha 2-verde, que hoje liga os bairros de Vila Prudente e Vila Madalena, quando uma barra de metal de quase uma tonelada caiu de um guindaste e o atingiu próximo na zona Leste. A empresa Galvão Engenharia, falou em "fatalidade".
Antônio José Alves Ribeiro e José Exerei Oliveira Silva foram esmagados em junho de 2012 por um guindaste que despencou nas obras da futura estação Eucaliptos na expansão da linha 5-lilás do metrô, em Moema – bairro da capital paulista. O acidente poderia ter sido pior, uma vez que dezenas de trabalhadores estavam no local.
Em 9 de junho de 2014 uma viga do monotrilho que ligará o aeroporto de Congonhas ao bairro do Morumbi (Linha 17-Ouro) desabou, matando um operário que trabalhava na obra. Na época, o metrô lamentou o acidente e informou que exigiu rápida apuração do consórcio responsável, composto pelas empresas Andrade Gutierrez, CR Almeida, Scomi Engineering e MPE Montagens e Projetos Especiais.
Tenho feito esse acompanhamento neste blog nos últimos anos e resgatado o debate sempre que necessário. A verdade é que São Paulo vai colecionando "fatalidades" na ampliação de seu transporte de massa sobre trilhos.
Na hora de inaugurar uma estação de metrô, políticos sorriem muito branco. Mas na hora de encontrar responsáveis por óbitos, todos desaparecem rapidamente, feito os ratinhos que vivem nos túneis de trem.
Ou dão sorrisos amarelos ao lançar a frase-mor da enrolação no Brasil: "Uma comissão será criada para analisar o ocorrido". Traduzindo: "Ei, fala com minha mãozinha, fala".
E como trabalhador procurando emprego tem aos montes, continua sendo matéria-prima descartável. Morreu um, tem logo outro para assumir o lugar. Parece que parte da construção civil se esforçou por muito tempo para demonstrar que o desenvolvimento urbano deve passar não apenas pelo suor de trabalhadores, mas também pelo seu sangue.
E se morreu, quem é o responsável pela tragédia? Ora, ninguém, aponta o Estado brasileiro. Talvez da natureza, do terreno, das chuvas, de rochas gigantes, do Imponderável da Silva, enfim, grandes forças malignas do universo contra as quais He-Man lutava…
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