57% dos brasileiros concordam que "bandido bom é bandido morto". E daí?
De acordo com o instituto Datafolha, 57% da população concorda que "bandido bom é bandido morto". A informação faz parte do 10° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a ser divulgado nesta quinta (3). Outros 34% discordam da afirmação, 6% não concordam, nem discordam e 3% disseram que não saberiam responder. A margem de erro é dois pontos para mais ou menos.
Na minha opinião, o dado surpreendente não são os 57%, mas os 34% que, apesar de toda violência, respiram fundo, racionalizam e ainda são capazes de não se deixar levar por soluções populistas e superficiais (que não consideram as causas, mas atacam apenas as consequências), pela vingança pura e simples, pela histeria coletiva do discurso do medo e pelo olho por olho, dente por dente. A vocês, meus parabéns.
Pois não é simples viver em uma sociedade em que 85% das pessoas teme ser agredida por bandidos e 59% também teme ser agredida por policiais – sendo que o número sobe para 67% se considerada a faixa de 16 a 24 anos. Os números fazem parte da mesma pesquisa e foram publicados pelo UOL.
Isso me lembra outra pesquisa Datafolha, divulgada em abril de 2015, apontando que 87% da população era a favor da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Ao todo, 11% eram contrários à alteração, 1% estava indiferente e outro 1% não soube responder. Há projetos e propostas tratando do assunto tramitando no Congresso Nacional.
A polícia, um dos braços armados do Estado, deve seguir as leis e não usar os mesmos métodos dos bandidos sob a pena de gerar filhotes monstruosos. Como as milícias brotadas no seio da polícia carioca ou paulista e que mantém o poder político ou econômico em comunidades, tornando-se piores que outras formas de crime organizado.
Parte da população, cansada da violência, apoia desvios de Justiça por parte do Estado. O problema é que o impacto desse apoio se faz sentir no dia a dia do país. E nem estou tratando da forma como a polícia trata manifestações ou protestos, mas das periferias das grandes cidades, em que o Estado aterroriza jovens negros e pobres com a anuência velada de uma parcela de brancos ricos.
A justificativa que damos para nós é a mesma usada nos anos da última ditadura: estamos em guerra contra aqueles que querem destruir nosso modo de vida. Ninguém explicou, contudo que essa guerra é contra os valores que nos fazem humanos e que, a cada batalha, vamos deixando um pouco para trás. Nenhuma exceção pode ser aberta com a justificativa de erradicar um crime sob o risco de limarmos as liberdades individuais e os direitos fundamentais nesse processo.
Ninguém está defendendo o crime, muito menos bandidos. Quem cometeu um crime deve ser punido de acordo com o que prevê a lei e, até onde sei, o Estado brasileiro não prevê a pena de morte. Não oficialmente, pelo menos. Defende-se o pacto que os membros da sociedade fizeram entre si para poderem conviver (minimamente) em harmonia. Em suma, não entregamos para o Estado o poder de usar a violência como último recurso a fim de proteger os cidadãos para que ele a use como padrão de solução de todos os conflitos.
Caso contrário, será a lei do mais forte. E um dia a população mais pobre e numerosa se conscientizaria que ela, no final das contas, é o lado mais forte e não o elo mais fraco – como muitos a convenceram disso desde sempre.
Por fim, vale a pena lembrar que uma democracia verdadeira passa pelo respeito à vontade da maioria, desde que garantindo a dignidade das minorias. Até porque, como sabemos, a maioria pode ser avassaladoramente violenta. Se não forem garantidos os direitos fundamentais das minorias (e quando digo "minoria", não estou falando de uma questão numérica mas, sim, do nível de direitos efetivados, o que faz das mulheres uma minoria no país), estaremos apenas criando mais uma ditadura.
E se os números estiverem corretos, 34% mostra que não é todo Brasil que pensa que matar é a solução. Um terço da população é mais do que suficiente para manter um debate público construtivo.
A redução da violência passa, inevitavelmente, pela garantia de Justiça social, com um Estado tratando diferentes de acordo com suas necessidades econômicas, sociais e culturais e não como iguais. Pois, como sabemos, a meritocracia e o acesso à dignidade são hereditários no Brasil. E porrada só tem gerado mais porrada.
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