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Leonardo Sakamoto

O preço de manter Temer no poder pode ser mais alto do que se pensa

Leonardo Sakamoto

01/12/2016 15h07

Michel Temer tem um dilema para resolver.

Seu grupo político no Executivo e sua base de sustentação no Legislativo são uma dor de cabeça sem tamanho. Ou, como diria minha falecida avó, bichados.

Envolvido em denúncias de corrupção que já conhecemos e em outras que nem imaginamos ainda.

De repente, quando menos se espera, uma surpresa diferente. Teve até pressão para liberar apê de luxo em Salvador.

Isso corrói ainda mais a paciência da população, que está com o pavio curto para esse tipo de coisa.

Mas enquanto ele for útil para os setores políticos e os patos amarelos que o ajudaram a chegar lá, continuará lá.

Enquanto isso, vai rolar vistas grossas. E apoios envergonhados. E muito sinal da cruz.

Temer está a um passo de aprovar em definitivo a mudança constitucional que limita o crescimento de investimentos públicos ao reajuste da inflação pelos próximos 20 anos. Ou seja, crescimento zero, o que vai impactar áreas como saúde e educação.

Tenta aprovar uma reforma da Previdência que aumentará a idade mínima de aposentadoria para 65 anos – em um país em que cortadores de cana, pedreiros, produtores de carvão, começam a trabalhar cedo e, muitas vezes, nem chegam a essa idade.

E uma reforma trabalhista que. entre outras coisas, vai liberar a terceirização para todas as atividades de uma empresa, possibilitando a transformação de trabalhadores em microempresas dando adeus a uma série de direitos.

O dilema é que, se ele conseguir fazer tudo isso muito rápido, perde a utilidade.

E se ele demorar muito, perde a utilidade.

Ou seja, deve entregar o serviço no tempo certo. Afinal, acaba de matricular o filho numa escola de Brasília.

O que não se sabe é se as instituições brasileiras aguentam o impacto de manter o seu grupo no poder.

Para muita gente que acha que vai lucrar com o Brasil que emergirá desse processo, pouco importa.

Mas a impressão é que, independentemente do que aconteça, estamos armando uma bomba-relógio.

Que não explodirá em manifestações de pobres e esfarrapados, como temem os demófobos. Somos muito "cordiais".

Mas jogar com a credibilidade de instituições públicas, que já estão esgarçadas pelo processo de impeachment, tem implicações que ninguém pode prever.

Ao final, os que acharam que levariam o poder podem ficar de mãos abanando.

E o Inominável, na forma de um salvador da pátria ultraconservador, travestido da ética que ele não tem, pode levra 2018.

Para desespero de muita gente.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.