Temer e censura: O rei está nu. Mas tem carta branca para incendiar Roma
Michel Temer mostrou que ficou chateado ao ser criticado pela censura imposta aos jornais Folha de S.Paulo e O Globo impedindo a divulgação de detalhes do caso do celular hackeado de sua esposa.
Silvonei de Jesus Souza obteve de forma ilegal dados de Marcela Temer e pegou mais de cinco anos de xilindró por chantagem e extorsão em uma investigação relâmpago da polícia paulista conduzida pelo então secretário de Segurança Pública e hoje indicado a ministro do STF Alexandre de Moraes. Cometeu um crime e está pagando por isso.
No processo de investigação, apareceu a história de que, se o conteúdo fosse divulgado, o nome de Temer seria jogado "na lama" devido a condutas impróprias. E isso é de interesse público porque, ao que tudo indica, Temer ocupa a Presidência da República. Como lembra Eloísa Machado, professora da FGV Direito SP e coordenadora do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta, a imprensa estava certa em divulgar e sofreu censura judicial. Segundo ela, a pessoa tem direito à intimidade, mas não tem direito de esconder indícios de prática criminosa com o argumento de que isso iria prejudicar sua imagem.
"O Presidente Michel Temer tem pautado as ações de seu governo pela busca do diálogo e da pacificação nacional (…) convencido de que a liberdade de expressão é uma das condições para que melhor prospere o diálogo dentro dos marcos de nossa constituição democrática", afirmou em nota divulgada à imprensa.
Se Temer acreditasse tanto na "liberdade de expressão", seu governo não estaria lutando com unhas e dentes para manter sob censura a "lista suja" do trabalho escravo, como ficou conhecido o cadastro de empregadores flagrados com essa forma de exploração de mão de obra.
Criada em 2003 pelo governo federal, a "lista suja" é considerada pelas Nações Unidas um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo no Brasil e apresentada como um exemplo global por garantir transparência à sociedade e um mecanismo para que empresas coloquem em prática políticas de responsabilidade social.
Na verdade, "era considerada", até o governo Temer.
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A sua divulgação foi suspensa em dezembro de 2014, quando o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, atendeu a um pedido de liminar de uma associação de incorporadoras imobiliárias que questionava a constitucionalidade da lista. Contudo, após a publicação de uma nova portaria interministerial (número 4, de 11 de maio de 2016), com mudanças em critérios de entrada e saída do cadastro, a ministra Cármen Lúcia autorizou a sua publicação pelo governo. Desde então, o ministério do Trabalho poderia divulgar uma nova atualização da lista, mas não o fez.
O Ministério Público do Trabalho conseguiu uma liminar na Justiça do Trabalho para que essa informação voltasse a ser pública, mas o Ministério do Trabalho tem lutado judicialmente para manté-la à sombra, dizendo que precisa fazer ajustes a uma política de transparência que funcionou perfeitamente por mais de uma década. O que não conta são os pedidos que chegam ao gabinete do ministro de algumas empresas que querem que a lista não retorne à luz do sol. Que é o melhor desinfetante que existe.
Enquanto isso, a sociedade civil, imprensa, empresas e bancos que querem ter acesso a essa informação de natureza pública estão tendo que solicitar periodicamente os dados com base na Lei de Acesso à Informação. Ou seja, obrigado o Estado a cumprir seu papel contitucional de Estado, que é garantir transparência para que a democracia funcione a contento. Segundo documento assinados por agências Nações Unidas no Brasil, a censura da "lista suja" representa um retrocesso gigante na garantia dos direitos dos trabalhadores e dos direitos humanos no país.
Estamos vivendo um tempo em que o governo federal renomeia o mundo à sua volta de acordo com sua vontade. Nesse mundo, ele nunca censura, nunca se cala ou manda calar. Nunca esconde lista de empregadores flagrados com trabalho escravo. Nunca joga no lixo direitos dos trabalhadores ou rifa o futuro dos mais velhos. Nunca corta recursos para a educação e saúde. Nunca usa a máquina pública para proteger os aliados na lama ou para benefício individual de cada um deles e de seus financiadores de campanha.
O rei está nu. A corte está nua. Mas enquanto eles continuarem representando interesses economicamente maiores, podem se vestir de Nero e tocar fogo em Roma que serão aplaudidos, de pé, ao final.
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