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Leonardo Sakamoto

Câmara dos Deputados atende a seus patrões e aprova Reforma Trabalhista

Leonardo Sakamoto

26/04/2017 23h12

Não importa se você concorda ou não com a Reforma Trabalhista, proposta originalmente pelo governo Michel Temer, cujo texto principal foi aprovado, na noite desta quarta (26), pela Câmara dos Deputados, por 296 votos a favor e 177 contra.

Mas precisa reconhecer que a forma como ela foi aprovada, sem que a população pudesse conhecer o teor das mudanças, sem que houvesse a oportunidade de discussão profunda entre deputados sobre o tema, sem que fosse analisado o impacto fiscal das mudanças, sem que todos entendessem a extensão das consequências sociais, foi típico da ditadura que imaginávamos termos deixado para trás.

Deputados da base do governo, em seus discursos, afirmaram que a mudança na lei é necessária por haver muitas reclamações trabalhistas na Justiça. Uma lógica bizarra, que equivale a reduzir o número de homicídios computados ao fazer com que assassinatos por faca deixem de ser considerados crimes. Resolve-se um problema de muitas reclamações sobre o descumprimento de direitos retirando direitos.

Outros, com orgulho, ao microfone disseram que gastaram "semanas" debruçados em cima da matéria. O projeto de lei 6787 foi apresentado no dia 23 de dezembro de 2016. Mas uma reforma da legislação trabalhista, se feita em um ambiente democrático, por sua complexidade, deveria levar meses ou anos. Como foi com o Código Civil. Como está sendo com o Código Penal.

Na verdade, a velocidade do trâmite de um projeto depende de a quem ele interessa.

No dia 25 de fevereiro de 1997, a emenda da reeleição foi aprovada pela Câmara dos Deputados. Daí, o texto teve um trâmite relâmpago no Senado Federal, sendo promulgado a tempo de possibilitar a reeleição de Fernando Henrique, não sem as famosas denúncias de compra de votos. O então presidente da Câmara dos Deputados era Michel Temer.

Por outro lado, o tramite da proposta de emenda constitucional que previa o confisco de terras em que trabalho escravo for encontrado e sua destinação à população mais pobre, entre a primeira vez que foi apresentada e sua promulgação, tramitou por 19 anos. E ainda falta sua regulamentação para que seja efetiva.

Mas a velocidade depende também de por quem o projeto é "financiado".

De acordo com matéria do Intercept Brasil, das 850 emendas apresentadas por 82 deputados durante a discussão do projeto da Reforma Trabalhista na comissão especial, 34% foram redigidas em computadores de representantes da Confederação Nacional do Transporte (CNT), da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística). O relator, Rogério Marinho (PSDB-RN), decidiu incorporar mais da metade dessas emendas, total ou parcialmente.

Vale lembrar que quem financiou e elegeu a maior parte dos deputados e senadores não foram doações de trabalhadores, mas grandes empresas. Isso sem contar que 43% dos deputados federais eleitos em 2014 possuem estabelecimentos comerciais, industriais, de prestação de serviço ou do segmento rural, de acordo com sua declaração de bens. Ou seja, são eles próprios os patrões.

No processo de aprovação da Reforma Trabalhista houve até manobra para matar a saudade dos tempos de Eduardo Cunha na Presidência da Câmara. Após uma derrota em um pedido de urgência, uma manobra da base do governo possibilitou uma vitória – e, consequente, a aprovação da matéria a toque de caixa.

A coroação de tudo isso foram dois atos de suprema covardia: primeiro, correr para que a aprovação fosse realizada antes da greve geral desta sexta (28), jogando a batata quente para o Senado Federal, que analisará a matéria. Segundo, a base do governo tentou fazer com que a votação não fosse nominal, ou seja, que ninguém soubesse os nomes de quem havia apoiado o projeto.

Duas formas tortas de tentar preservar a chance de se reelegerem no ano que vem.

Será que os deputados que, mesmo assim, votaram a favor têm tanta certeza que a memória do povo não dura até 2018, nem pode ser refrescada? Ou será que sabem que há empresários que estão tão gratos pelo mimo que garantirão doações no ano que vem?

Com boa parte da cúpula do governo federal e do Congresso Nacional com a corda no pescoço por denúncias de corrupção e popularidade tão baixa que, se descer mais, encontra petróleo, eles precisam do apoio de empresários para se manter onde estão.

Independente do resultado, quem perde com esse tipo de trâmite avesso à discussão é a democracia. Ou o que restou dela.

De qualquer forma, segue aqui a lista dos que votaram a favor, organizado pelo site Congresso em Foco.

Como um lembrete de que jabuti não sobe em poste sozinho.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.