Governo diz que greve foi fracasso. Mas aguenta esse "fracasso" todo mês?
Após uma ação que divide opiniões, como uma greve geral, é natural que grupos envolvidos declarem que ela foi um sucesso ou um fracasso. O que inclui governo, sindicatos, movimentos sociais, mídia. Essa disputa tem como objetivo tentar colar junto à sociedade um significado no que aconteceu para que, a partir daí, os desdobramentos caminhem na direção que cada grupo defende.
Traduzindo: colocar uma legenda em uma foto pode mudar bastante a interpretação sobre ela. Neste caso, o que vai acontecer com o trâmite das Reformas da Previdência e Trabalhista no Congresso Nacional.
Contudo, por mais que "pós-verdade" tenha se transformado em um tema da moda, fatos seguem mais importantes que emoções. Registros de colegas repórteres que foram às ruas, por exemplo, mostraram que muitas cidades brasileiras reduziram suas atividades econômicas ao ponto de comerciantes, em entrevistas, afirmarem que a situação foi pior que em um feriado.
Parte do comércio nem abriu. Escolas e universidades, particulares e públicas, fecharam as portas. Bancários não foram trabalhar. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e algumas religiões protestantes pediram em suas missas e cultos para que os fiéis aderissem. Isso sem falar da trava logística de condutores e cobradores de ônibus, de metroviários e trabalhadores de trens e de alguns portos e aeroportos. Concordo com avaliações que afirmam que, ao contrário de greves que afetam apenas o transporte, nesta, diante da dificuldade de locomoção, muita gente teria ficado em casa sem tentar chegar ao trabalho. Pois, tal qual a música do velho Raul, sabiam que os outros também não estavam lá.
Internamente, o governo e aliados sabem que o movimento foi amplo e seus desdobramentos podem causar grandes danos. Por isso correm para pressionar parlamentares, de um lado, e tentar minimizar a greve geral em discursos, de outro, afirmando que não havia muitas pessoas protestando nas ruas e que ela foi tocada por "baderneiros" e "vagabundos".
Demonstram, na formulação desse argumento, achar que a população não compreende nem de lógica, nem de logística. Se não havia ônibus e com metrô e trens funcionando parcialmente, como trabalhadores de bairros mais distantes chegariam a manifestações em regiões centrais? Além disso, deslegitimar uma massa de trabalhadores com xingamentos pode se revelar um tiro no pé.
Chamados de volta às ruas pelas jornadas de junho de 2013 e pelos protestos pró e contra o impeachment de 2015 e 2016, muitos passaram a acreditar que o sucesso de uma mobilização se mede pela quantidade de gente que toma a avenida Paulista, a Cinelândia, a Esplanada dos Ministérios.
Mas a greve, como protesto, funciona de outra forma: o objetivo não é a demonstração de força passada por imagens da massa tomando todos os cantos, mas o silêncio dos braços cruzados que não produzem e portanto, não geram riqueza. Daí, o tempo não gasto em trabalho, mas na negação dele com um objetivo claro, pode ser usado para o que o trabalhador quiser – tanto participar de protestos nas ruas quanto "abrir os trabalhos" num churrasco com os amigos.
Mesmo com menos transporte, garoa fina e frio, organizadores apontam para 75 mil pessoas no Largo da Batata, em São Paulo, no maior dos atos que ocorreram em vários pontos da cidade.
Outro elemento de disputa do significado da greve e de seus desdobramentos são as depredações ao final de atos em São Paulo e no Rio e a violência policial. Se todas ou a maioria das 75 mil pessoas na manifestação da capital paulista (que foi um dos elementos da greve, não o seu principal como já foi dito), resolvessem ter jogado pedras ou tentado derrubar barreiras policiais que protegiam a casa de Michel Temer, teríamos duas situações: ou a casa não existiria mais (aliás, o bairro não existiria mais) ou a polícia causaria um dos maiores massacres da história ocidental contemporânea.
Ao tentar fazer com que a população acredite que um microgrupo de pessoas que não respondia aos organizadores da greve representava uma massa de professores, estudantes, motoristas, bancários, religiosos, entre outros, que marchavam em paz e sofreram com as bombas lançadas pela PM, políticos e seus aliados querem deslegitimar todo o movimento.
Consequentemente, quem tem predisposição a criticar a greve ou pensa de forma binária (nós, os bons, contra eles, os maus), aceita o argumento. E, por outro lado, quem está bravo com o governo por conta das mudanças que virão nas aposentadorias, quer mais é que o país exploda.
Ao mesmo tempo, em capitais do Nordeste, como Salvador e Recife, e cidades do interior, parte do comércio fechou e muita gente foi às ruas – o que representou mais uma dor de cabeça aos já reticentes deputados federais e senadores da região. Muitos já acreditam que terão que escolher: aprovar a Reforma da Previdência do jeito em que ela está e ou se reeleger no ano que vem.
Não é possível dizer quantos aderiram à greve geral e quantos desistiram de ir ao trabalho devido à falta de transporte. No final, o resultado é que muita coisa parou e o país, definitivamente, não aguenta outras convulsões como essa. Ninguém em sã consciência gosta de greve, mas elas são o último recurso quando o diálogo está interditado.
Se o governo federal considera que a greve foi um fracasso e que, portanto, não tem razão para abrir o diálogo com a sociedade sobre as mudanças que defende na Reformas da Previdência e Trabalhista, então acredita que a mobilização de ontem não afetou a economia.
Portanto, não verá problema se greves gerais se tornarem periódicas. Semanais ou mensais talvez? Se isso acontecer, garanto que será mais fácil achar ônibus em dia de greve do que parlamentares e empresários apoiando o governo.
Post alterado para troca de foto às 19h15. A imagem anterior era de uma manifestação, de menor tamanho, ocorrida em outra data. Organizadores do ato informaram que está outra é desta sexta (28), que teve um público maior.
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