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Leonardo Sakamoto

Insistência em reformas impopulares pode convulsionar Brasil, afirma Boulos

Leonardo Sakamoto

12/05/2017 12h37

"Essa gente está em uma tática kamikaze, de fuga para frente, de fechar o ouvido e pisar no acelerador. Isso tende a convulsionar a sociedade brasileira." A análise é de Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, feita durante a edição do Havana Connection desta sexta (12). Ele afirma que a maioria do país rejeita Michel Temer e o atual Congresso Nacional – que, mesmo assim, tentam aprovar reformas na contramão da vontade popular.

"Os próximos passos dessa historia podem gerar um nível radicalização de luta de massa que nós não vemos no Brasil há muito tempo", afirma.

Boulos também pediu que Michel Temer, que estaria à frente de um "desmonte das aposentadorias do país", abra mão de sua própria para dar o exemplo. "O cara que propõe isso se aposentou aos 55 anos ganhando R$ 30 mil por mês. Vamos ter um mínimo de exemplo. Abra mão!" Hoje, Temer tem 76 anos.

A jornalista Laura Capriglione, que também participou do bate-papo, afirmou que nem todos têm a mesma "sorte" de Temer de conseguir um emprego após ficar idoso. Usa como exemplo um pedreiro que tenta ser contratado para trabalhar em uma obra aos 55 anos sem a força necessária para exercer seu ofício. "Vai para uma redação dos principais jornais e vejam quantos jornalistas têm mais de 50 anos. Aumentou a expectativa de vida? Aumentou. Mas aumento a empregabilidade das pessoas com mais idade? Não."

Ato contra as Reformas Trabalhista e da Previdência Social em São Paulo. Foto: Marlene Bergamo: Folhapress

De acordo com Laura Capriglione, os empresários querem com a aprovação do negociado sobre o legislado – coração da Reforma Trabalhista – colocar uma faca no pescoço do trabalhador: ou aceita as condições impostas pelo empregador ou encara demissão. "O trabalhador, diante de uma taxa de desemprego altíssima, vai aceitar se tiver um sindicato fraco."

"É a livre negociação do lobo com o cordeiro", completa Guilherme Boulos. "Temos que combater esse cinismo de dizer que o que está em jogo na Reforma Trabalhista é o combate ao privilégio sindical. Segundo ele, o imposto sindical obrigatório não é o tema principal, mas sim o negociado sobre o legislado.

Nesta edição, o Havana Connection tratou, além das Reformas Trabalhista e da Previdência, dos desdobramentos da greve geral do dia 28 de abril.

Bloco 1 – A Reforma Trabalhista não será ruim para todos. Só para os trabalhadores

O primeiro bloco desta edição do Havana Connection comentou o trâmite da Reforma Trabalhista proposta pelo governo Michel Temer, que já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e está sendo analisada pelo Senado Federal.

O ponto mais importante é a permissão para que a negociação entre patrões e empregados fique acima do que diz a lei. Em sindicatos fortes, isso pode render bons frutos. Em sindicatos fracos ou corruptos, negociações tendem a ser desequilibradas a favor dos patrões, aprovando reduções em direitos que colocam em risco a saúde e a segurança de trabalhadores.

De acordo com Laura Capriglione, os empresários querem uma faca no pescoço do trabalhador: ou aceita as condições impostas pelo empregador na negociação ou encara demissão. "O trabalhador, diante de uma taxa de desemprego altíssima, vai aceitar se tiver um sindicato fraco".

"É a livre negociação do lobo com o cordeiro", completa Guilherme Boulos. "Temos que combater esse cinismo de dizer que o que está em jogo na Reforma Trabalhista é o combate ao privilégio sindical. Segundo ele, o imposto sindical obrigatório não é o tema principal, mas sim o negociado sobre o legislado.

A reforma também limita o valor de indenização a 50 vezes o último salário do trabalhador – ou seja, a morte no serviço de quem ganha um salário mínimo valeria, no máximo, R$ 46.850,00; estabelece contratos intermitentes, em que o trabalhador pode ser chamado a qualquer hora, não sabendo quanto ganhará no final do mês e de quanto será seu descanso; acaba com a remuneração do tempo de deslocamento do trabalhador quando não há transporte público disponível; entre outras dezenas de mudanças.

Segundo Boulos, é um "programa de terra arrasada".

Bloco 2 – Reforma da Previdência: Apesar do governo negar, os pobres serão afetados

"Nós temos que chamar as coisas pelo nome. Reforma da Previdência, coisa nenhuma. É o desmonte das aposentadorias do país", afirma Guilherme Boulos. "O cara que propõe isso se aposentou aos 55 anos ganhando R$ 30 mil por mês", afirmou o coordenador do MTST sobre Michel Temer. "Vamos ter um mínimo de exemplo. Abra mão!"

De acordo com ele, ao mesmo tempo em que se destrói o trabalho formal com a Reforma Trabalhista, vai se exigir que as pessoas contribuam por 40 anos para ter uma aposentadoria integral através da Reforma da Previdência. Seja através de um emprego formal ou pagando o carnê do INSS por fora.

"Dizem que estão fazendo reforma para a Previdência não falir. Mas a reforma, se for feita, vai falir a Previdência porque as pessoas vão deixar de contribuir com ela. Burros? Coisa nenhuma. Estão fazendo isso de mãos dadas com sistema financeiro para destruir a Previdência pública e favorecer os fundos de pensão dos bancos e a previdência privada no pais", completa.

Para Laura Capriglione, Temer conseguiu um emprego depois de idoso, mas nem todos têm a mesma "sorte". Ela usa como exemplo um pedreiro que tenta ser contratado para trabalhar em uma obra aos 55 anos sem a força necessária para exercer o seu ofício. "Vai para uma redação dos principais jornais e vejam quantos jornalistas têm mais de 50 anos. Aumentou a expectativa de vida? Aumentou. Mas aumento a empregabilidade das pessoas com mais idade? Não."

Apesar das pequenas concessões feitas até agora, o governo federal segue irredutível quanto ao núcleo duro da Reforma da Previdência, que também provoca o maior impacto negativo: estabelecer em 25 anos o tempo mínimo de contribuição para a aposentadoria de trabalhadores assalariados urbanos e rurais. E 15 anos para trabalhadores rurais da economia familiar. Lembrando que, hoje, são necessários 15 anos, não de contribuição, mas de comprovação de atividade ao trabalhador rural – que não tem dinheiro para pagar INSS todo o mês.

Além disso, dada à alta taxa de informalidade, cerca de 80% do total dos trabalhadores já não conseguem contribuir por um quarto de século e, em média, contribuem nove meses a cada 12. Ou seja, muitos serão os que não se aposentarão se aprovadas as novas idades mínimas de 65 e 62 anos, para homens e mulheres respectivamente. Com "sorte", acabarão caindo na fila da assistência social para idosos pobres – que também está sendo postergada de 65 para 68 anos.

Bloco 3 – Vagabundo não é quem faz greve, mas quem se nega a aprender História

De acordo com Guilherme Boulos, a greve geral do dia 28 de abril, convocada por movimentos sociais e centrais sindicais, mostrou a vitalidade da mobilização popular de resistência às reformas propostas pelo governo Michel Temer. E critica quem afirma que ela só foi possível graças à paralisação nos transportes. "Vai procurar qualquer greve geral no mundo que não parou transporte", afirma.

Para Laura Capriglione, a greve foi de resistência, da base de sindicatos e não de grandes lideranças. "Foi a greve do sindicalista anônimo, do cara que estava falando com sua categoria como a reforma ia afetar a vida dela." Para a jornalista, a greve foi organizada de "baixo para cima" e teve características de espontaneidade. Grupos que não foram organizados por sindicatos, como professores de escolas particulares, também se mobilizaram através de listas em redes sociais.

Segundo Boulos, a reação da base do Temer à greve foi aprovar o relatório da Reforma da Previdência na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. "Essa gente está em uma tática kamikaze, de fuga para frente, de fechar o ouvido e pisar no acelerador. Isso tende a convulsionar a sociedade brasileira."

De acordo com ele, 90% do povo rejeita o governo e o parlamento está desmoralizado mas, mesmo assim, tenta-se aprovar reformas na contramão da vontade popular. "Os próximos passos dessa historia podem gerar um nível radicalização de luta de massa que nós não vemos no Brasil há muito tempo. Se é que nós já vimos."

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.