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Leonardo Sakamoto

Justiça mantém Rafael Braga preso, enquanto Câmara deve salvar Temer

Leonardo Sakamoto

01/08/2017 16h06

Rafael Braga, condenado condenado a 11 anos e três meses de prisão. Foto: Germán Aranda/CartaCapital

A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a prisão de Rafael Braga na tarde desta terça (1). Preso durante as manifestações de junho de 2013 pela acusação de portar artefato explosivo (ele carregava água sanitária e Pinho Sol), foi condenado e depois liberado para cumprir prisão domiciliar. Mas foi preso novamente, acusado de envolvimento com o tráfico de drogas. Segundo a polícia, ele carregava 0,6 g de maconha e 9,3 de cocaína e um rojão – o que ele nega, afirmando que o flagrante foi forjado.

Mesmo assim, com base na palavra dos policiais e sem outras evidências, foi condenado a 11 anos e três meses de prisão.

Após Antônio Boente e Katya Monnerat votarem contra o pedido de habeas corpus solicitado pela defesa de Braga, Luiz Zveiter pediu vista do processo, adiando a decisão por tempo indeterminado. É pequena a chance de reversão do resultado, uma vez que são necessários dois dos três votos dos desembargadores. A informação foi divulgada pelo portal Justificando.

Que a prisão de Rafael Braga, negro e pobre, é sintoma do racismo institucional brasileiro não é novidade. A Justiça tem pesos diferentes a depender da classe social, tamanho da conta bancária, cor de pele, origem étnica, idade, gênero e orientação sexual dos envolvidos.

O que choca é o contraste. Pois, neste exato momento, o governo federal transformou Brasília em um mercado a céu aberto por votos para impedir que Michel Temer seja afastado para ser julgado por corrupção passiva no Supremo Tribunal Federal.

Parlamentares são "alugados" através de emendas milionárias, de nomeação de aliados para cargos públicos e de promessas de apoio a projetos de leis oportunistas, principalmente oriundos das bancadas da bala (segurança pública), da bíblia (do fundamentalismo religioso) e do boi (ruralista). Sem pudores para assumir que foram eleitos com voto da população, mas não a representam, deputados estão prestes a dar uma banana para o país em nome de interesses particulares ou de seus patrocinadores.

Os indícios reunidos contra Michel Temer são sólidos o suficiente para levá-lo ao banco dos réus, enquanto o conjunto de provas apresentadas contra Rafael Braga mal se sustentam. Mas Braga seguiu preso hoje e Temer deve seguir livre e no cargo de presidente da República amanhã.

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No Brasil, são dignos de serem chamados de cidadãos os políticos e empresários, que fazem as leis que os beneficiam e os perdoam.

Construímos um país em que "manifestantes" são aqueles que fecham avenidas para lutar por algo com o qual a elite concorda e "baderneiros" são aqueles que fazem o mesmo por algo sobre o qual ela discorda. Em que proprietários de imóveis mantidos vazios para a especulação imobiliária que devem o seu preço em IPTU atrasado são "devedores do poder público", enquanto os sem-teto que ocupam esses imóveis pedindo sua destinação à moradia popular são "invasores". No qual rico que deixa de pagar milhões em impostos não é "ladrão" – está apenas exercendo seu protesto contra a pesada carga tributária. "Ladrão" é pobre que rouba xampu. Ou seja, de um lado, "sonegador", do outro, o "caloteiro", o "vagabundo", o "aproveitador" que não pagou a mensalidade do carnê da geladeira porque foi demitido.

Valdete foi condenada a dois anos de prisão em regime fechado por ter roubado caixas de chiclete. Franciely foi acusada de roubo de duas canetas mesmo após ter mostrado o comprovante de pagamento por ambas em um hipermercado. Maria Aparecida foi mandada para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador em um supermercado – perdeu um olho enquanto estava presa. Sueli foi condenada pelo roubo de dois pacotes de bolacha e um queijo minas em uma loja. Ademir, no desespero, furtou coxinhas, pães de queijo e um creme para cabelo em um supermercado. Foi levado a um banheiro e espancado até a morte.

Qualquer pessoa, rica ou pobre, deve ter todo o direito à ampla defesa. E uma condenação deve contar com provas sólidas, caso contrário, não é Justiça. E a privação de liberdade deve ser usada apenas como último recurso, quando o crime cometido é grave o suficiente para impossibilitar a pessoa no convívio em sociedade.

Mas quando um jovem negro e pobre segue preso pela acusação inconsistente de porte de alguns gramas de drogas, enquanto o filho branco de uma desembargadora é solto após ter sido pego com mais de 129 quilos de maconha e munições e enquanto um mandatário, sob o qual pesam graves denúncias de corrupção, compra os votos para sair livre, precisamos parar e repensar tudo.

Precisamos urgentemente refundar um país.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.