Topo

Leonardo Sakamoto

Temer se cansa de "ordem" e diz que vai manter só "progresso"

Leonardo Sakamoto

26/09/2017 15h12

Foto: Alan Marques/ Folhapress

"Eu acho que vou tomar esse verbo – progredir – como lema do governo", afirmou. "Esse progredir é do próprio governo, porque já produzimos no campo social e no desenvolvimento do país."

A declaração é de Michel Temer em evento, nesta terça (26), no Palácio do Planalto.

Talvez confuso por não saber a quantidade de votos que terá que comprar para se livrar da denúncia por obstrução de Justiça e organização criminosa a ser analisada pela Câmara dos Deputados, Temer tenha se esquecido que a ideia já faz parte – como substantivo – do seu lema de governo. Afinal, em maio do ano passado, ele havia escolhido "Ordem e Progresso" como mote de gestão.

Penso que isso pode ter sido um ato inconsciente de sinceridade.

Percebendo o grande salve-se-quem-puder que sua administração se transformou, com a tecla "foda-se" apertada permanentemente para as denúncias que brotam como gremlins diante d'água, sem se importar mais em parecer verdadeiro ou ético, valendo-se do que for preciso para salvar o seu pescoço e os de seus amigos da guilhotina da Lava Jato, Michel Temer retirou a palavra "ordem" do lema.

Porque, a partir de certo ponto, o cinismo pode ser confundido com insanidade. E um presidente cínico o Brasil aguenta. Já um louco, tenho dúvidas.

A frase original de onde veio o lema da bandeira e o de Temer era "o amor por princípio, a ordem como base, o progresso como fim" e foi cunhada por Augusto Comte, pai do positivismo. Corrente que é alvo de muitas críticas, mas influenciou o Estado laico, as liberdades individuais religiosas ou profissionais, entre outras coisas por aqui.

Sob a justificativa da ordem para o progresso a fim de fazer o bolo crescer (e nunca ser dividido), a última ditadura brasileira passou por cima de trabalhadores, indígenas e demais comunidades tradicionais. Em um processo que, se começou na Gloriosa, atravessou os governos ditos democráticos até agora com o mesmo modelo concentrador e excludente de desenvolvimento.

O que Michel Temer chama de progresso é uma política de terra arrasada que atende aos interesses de parte do poder econômico e da velha política. A aprovação da Reforma Trabalhista e de uma Lei da Terceirização Ampla, sem que fossem devidamente debatidas com a sociedade, e de uma PEC do Teto dos Gastos, que congelou o investimento público em áreas como educação, saúde, ciência, segurança, pelos próximos 20 anos, é um retrocesso na qualidade de vida da população mais vulnerável. A "Ponte para o Futuro", arremedo de projeto de país apresentado pelo PMDB, se mostrou um grande "Viaduto para o Passado". Corremos o risco de enfrentar situações sociais pré-Constituição de 1988.

Por outro lado, ele também pode estar falando de "progredir" não o país inteiro, mas apenas o grupo que apoiou sua chegada e permanência no poder em troca de mudanças estruturais e alterações em leis que os beneficiariam, mas que nunca seriam aceitas pelo voto popular. Temer, com seus 3% ou 5% de aprovação, está fazendo o combinado: jogar o custo da crise no colo dos que têm pouco, protegendo o que têm muito.

Impossível não lembrar nesta hora de Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, símbolo da luta pelos direitos humanos no Brasil, que nos contou uma vez ter ouvido uma justificativa da boca de um fazendeiro português com terras no Mato Grosso: "Dom Pedro, o senhor é europeu, o senhor sabe. As calçadas de Roma foram feitas por escravos. O progresso tem seu preço".

Deixo uma sugestão: Considerando que Michel Temer tem permitido até que general ameace o país com "intervenção militar" sem que seja publicamente repreendido e que tem contribuído para o esgarçamento das instituições democráticas para se manter ao poder, poderíamos resgatar como lema o velho "Brasil: Ame-o ou Deixe-o".

É tão ruim quanto "Ordem e Progresso", "Progredir" ou o mesmo o "Pátria Educadora", de Dilma Rousseff. Tudo isso evoca sentimentos que me dão calafrios. Daqueles utilizados por regimes autoritários a fim de garantir o "amor à terra", mesmo que essa terra te torture.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.