Moro usou PF para intimidar porteiro e proteger clã Bolsonaro, acusa Freixo
Por Anielle Franco e Marcelo Freixo*, especial para o blog
O ministro da Justiça Sergio Moro sempre dedicou ao assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) o seu absoluto silêncio e omissão. Ao longo de 600 dias, nunca manifestou solidariedade, procurou a família ou se pronunciou sobre o grave ataque que a execução de uma parlamentar representa à democracia. Quando questionado, dizia que não caberiam comentários a uma apuração realizada na esfera estadual.
Tudo mudou após os nomes de seu chefe Jair Bolsonaro e do vereador Carlos Bolsonaro aparecerem nas investigações sobre quem seria o mandante da execução. Moro passou da profunda indiferença à agressividade de um capanga. O ministro assumiu de vez o papel de advogado particular do clã presidencial.
A mudança de postura ficou evidente em entrevista à Rádio CBN. O ex-juiz classificou como "total disparate" a menção ao presidente e falou em politização do crime. Ora, quem politiza o assassinato é o ministro da Justiça, que não se constrange em usar o aparato policial do Estado brasileiro para intimidar um porteiro, homem humilde que mora numa área controlada por milícia, transformando uma testemunha em réu, para proteger a família Bolsonaro.
Moro também politiza o crime ao defender a federalização das investigações, que estão sob a responsabilidade da Polícia Civil e do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, sem o devido embasamento técnico que sustente a mudança.
Certamente, o ex-juiz sabe que o art. 109, V-A, §5º da Constituição brasileira é claro ao definir os requisitos para que haja a transferência da apuração de um crime para a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Além disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a quem caberá o julgamento do pedido de federalização, também aponta que o deslocamento de competência só poderá ocorrer quando se verifica a incapacidade das autoridades locais em oferecer respostas efetivas, seja por leniência, omissão ou conluio.
Nenhum desses critérios são observados quando analisamos as investigações realizadas pela Polícia Civil e Ministério Público do Rio de Janeiro. Afinal, dois suspeitos de terem cometido a execução foram identificados e presos. Um deles, o PM reformado Ronnie Lessa, nunca havia entrado numa delegacia na condição de acusado, apesar de ser um dos mais perigosos matadores do Estado e membro de um grupo de assassinos profissionais chamado Escritório do Crime. Sua prisão mostra que as apurações, por mais difíceis que sejam, estão progredindo.
Para além da fragilidade jurídica, o posicionamento de Moro desrespeita a família de Marielle, que já manifestou publicamente ser contra a federalização. Os familiares redigiram uma carta aos ministros do STJ pela qual apresentam argumentos legais para que a investigação permaneça na esfera estadual. Estamos nos reunindo com ministros da corte para entregar esse documento e apresentar as preocupações dos parentes com essa tentativa de intervenção.
Se Moro quer de fato contribuir com o caso, ele pode descobrir onde está o capitão Adriano Nóbrega, miliciano e membro do Escritório do Crime, que está foragido. A esposa e a mãe do bandido, que foi comparsa de Ronnie Lessa, eram assessoras do filho mais velho do presidente.
Em vez de federalizar esse crime, o ministro poderia federalizar o combate às milícias, como já sugerimos no Congresso Nacional através de uma proposta de emenda à Constituição. Mas por que não o faz?
Há muitas formas de Moro colaborar sem agredir a família de Marielle e sem politizar seu assassinato.
(*) Anielle Franco é mestra em jornalismo e inglês pela Universidade da Carolina do Norte e irmã de Marielle; Marcelo Freixo é professor e deputado federal (PSOL-RJ)
Foi encaminhado um convite ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, para comentar o artigo ou publicar um texto sobre o assunto neste espaço.
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