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Leonardo Sakamoto

A febre do trabalho escravo - parte 1

Leonardo Sakamoto

28/11/2006 16h29

Deputados do Partido Democrata dos Estados Unidos afirmaram que irão investigar se o aço que abastece indústrias norte-americanas foi produzido a partir de matéria-prima com mão-de-obra escrava do Brasil. As declarações – veiculadas nesta terça (28) em diversos jornais daqui – são repercussões de uma reportagem da revista Bloomberg, de lá, que publicou o caminho percorrido pelo carvão vegetal produzido com trabalho escravo em carvoarias do Pará, usado na fabricação de ferro-gusa, que é usado na fabricação de aço, que é usado na fabricação de carros.

OK. Que exportamos ferro-gusa com mão-de-obra escrava, isso já se sabe faz tempo. O Instituto Observatório Social publicou uma ótima matéria a respeito, em 2004, e a própria Repórter Brasil tem um estudo sobre isso. O ferro-gusa também não é o único subproduto da exploração escrava. Temos outras soft commodities, na mesma situação, compondo um cardápio indigesto, como soja, algodão, carne, café…

E não estamos sós! Há ocorrências de trabalho forçado em quase todos os países do mundo. Portanto a imbecilidade não é monopólio de determinado povo. Pergunte para os latinos que colhem laranja na Flórida como é viver em liberdade…

Com a divulgação ampla que teve a notícia da Bloomberg, os lobbies protecionistas da indústria siderúrgica norte-americana se atiçaram no Congresso dos EUA por barreiras tarifárias. Provavelmente, são eles que estão por trás da recente comoção dos deputados democratas pela saúde dos trabalhadores brasileiros.

O lobby das equivalentes brasileiras também não é pequeno e age no parlamento e dentro do governo federal – dêem uma olhada nos financiamentos da última campanha para terem uma idéia do que estou falando. Se parte das usinas têm feito a lição de casa e atuado na melhora da situação dos carvoeiros, a outra só começou a ficar preocupada após a água bater no pescoço. Talvez eu devesse ser mais nacionalista, mas nem passa pela minha cabeça preservar os negócios de siderúrgicas que se apropriam de superexploração do trabalho alheio, sejam elas brasileiras ou não.

A porrada é bem dada. E, de qualquer maneira, serviu para ajudar na discussão sobre as condições de trabalho na periferia da periferia do mundo.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.