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Leonardo Sakamoto

Caro ministro, a Amazônia é destruída com escravidão, sim

Leonardo Sakamoto

30/11/2006 10h15

Falei anteontem sobre a possibilidade dos EUA criarem restrições comerciais ao ferro-gusa produzido em siderúrgicas paraenses que têm como fornecedores carvoarias que utilizam mão-de-obra escrava.

Ontem, o governo federal veio a público tentar desancar as denúncias. Capital (Furlan) e Trabalho (Marinho) na defesa do comércio exterior do país. Marinho vem desempenhando um bom papel à frente de sua pasta. Mesmo assim, Rosa Luxemburgo deve ter se remexido no túmulo…

Acertaram em taxar o comportamento do Congresso norte-americano de protecionista, haja visto que eles estão preocupados em ajudar as siderúrgicas de lá e não os carvoeiros daqui.

Mas, infelizmente, não se consegue fazer um debate sensato sobre o assunto. A forma encontrada por Furlan para defender os interesses brasileiros foi, segundo o jornal O Globo, chamar de inverídicas as informações sobre desmatamento pelas indústrias de siderurgia e a destruição da Amazônia por fornecedores da rede de lanchonetes McDonald's.

Ministro, não se engane, tudo isso tem acontecido. Carvão destamatado ilegalmente, e através de trabalho escravo, é utilizado por siderúrgicas. É só pegar papel e lápis e fazer o cálculo da madeira que vem do eucalipto plantado e de áreas de exploração legal. A conta não fecha! Tem muito carvão ilegal circulando.

Outra coisa, pergunte para ADM, Bunge e Cargill se, em 2005, elas não tinham entre suas fornecedoras as fazendas Vó Gercy, Santa Maria da Amazônia, Barão e Vale do Rio Verde – flagradas com trabalho escravo e que chegaram a figurar na "lista suja" do governo federal. Pergunte para a Cargill se essa soja não ia alimentar as galinhas que viravam nuggets. Verifique no mapa de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais se essa soja não era produzida em área que já foi floresta. As provas eram tão evidentes que a Bunge e a Cargill assinaram o Pacto Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo.

É possível combater o trabalho escravo sem atrapalhar o comércio brasileiro, de maneira a expurgar os maus produtores e industriais, cirurgicamente. É mais difícil, claro, mas que trará bons resultados à nossa balança comercial e, principalmente, à vida dos trabalhadores rurais.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.