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Leonardo Sakamoto

Um escravocrata na presidência?

Leonardo Sakamoto

07/12/2006 18h01

Depois de ter um presidente que fez lobby por uma fazenda reincidente no uso de trabalho forçado, a Câmara pode ganhar um que usou, ele mesmo, mão-de-obra escrava.

Após empresas como Ipiranga e Petrobrás assumirem o compromisso de barrar fornecedores de álcool combustível que utilizaram mão-de-obra escrava, o então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE) ligou para as empresas para saber por que o álcool da Destilaria Gameleira não estava mais sendo comprado.

A empresa em questão é controlada por um conterrâneo de Severino, Eduardo Queiroz Monteiro (irmão de Armando Queiroz Monteiro, presidente da Confederação Nacional da Indústria), e recordista no número de trabalhadores libertados em uma única operação do governo federal – 1003.

Severino disse que a ligação foi feita a pedido de deputados federais. Na época, a repercussão na imprensa e junto à sociedade civil do lobby do parlamentar agindo em prol da iniciativa privada foi bastante negativa.

Agora, quem pode assumir (de novo) a presidência da Casa é Inocêncio Oliveira (PL-PE). Ele é proprietário da fazenda Caraíbas, da qual, em março de 2002, foram libertadas 53 pessoas mantidas em situação análoga à de escravo. Inocêncio vendeu a propriedade, que fica no município de Gonçalves Dias, no Maranhão, mas isso não o livrou de constar da primeira "lista suja" – o cadastro do governo federal que relaciona os que foram comprovadamente flagrados utilizando esse tipo de mão-de-obra.

Ele já foi condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional do Trabalho da 16a Região pelo crime e está recorrendo da decisão.

Inocêncio quer ser uma opção dos deputados do "baixo clero" aos nomes do PC do B, PT, PFL-PSDB ao segundo posto na linha sucessória da Presidência da República. No vácuo criado pelas brigas internas da base governista, Severino Cavalcanti chegou lá. Pode ser que Inocêncio não prospere e que tudo isso seja apenas mais uma ação para trazer mais poder para o primeiro-secretário da Câmara.

Mas, senhores deputados, tendo em vista o desgaste de vossa Casa no quesito ética perante a opinião pública, vale a pena pagar mais esse mico?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.