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Leonardo Sakamoto

Lamentos pela morte de Pinochet

Leonardo Sakamoto

10/12/2006 15h26

Pinochet não podia ter morrido. Não devia ter morrido.

Entendo a alegria de todos os que, durante as ditaduras militares do Cone Sul, foram caçados por ele, chilenos ou não. Mas este é um momento de reflexão.

Pesar pela incompetência da humanidade que não conseguiu fazer com que esse açougueiro respondesse pelos crimes que cometeu. De 1973 a 1990, mais de 3 mil pessoas desapareceram pelas mãos de sua polícia secreta.

Um amigo comentou que hoje, domingo (10), a "justiça divina" finalmente havia chegado para o ditador via ataque cardíaco.

Pô, isso só pode ser brincadeira!

O sujeito com 91 anos, morando confortavelmente em sua mansão, com a certeza absoluta que tanto o governo chileno quanto o sistema internacional não teriam forças para colocá-lo na cadeia, passa dessa para a melhor e isso é "justiça divina"?

O cara viveu quase um século, sendo que 17 anos mandando e desmandando e morreu impune.Passou os últimos anos se justificando pela saúde frágil – frágil de acordo com a equipe contratada para a sua defesa. A culpa não foi do céu, é nossa.

Outra alma ceifada recentemente pela "justiça divina" foi o Coronel Ubiratan, responsável pela execução de 111 presos na Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo.

A sociedade brasileira não conseguiu condená-lo. Morreu há três meses, segundo a polícia, pelo gatilho de sua própria namorada. Estava a caminho de ser facilmente reeleito como deputado estadual, ironizando o país ao candidatar-se com o número 14111.

Os dois não são casos únicos. Se considerarmos os fazendeiros que utilizam trabalho escravo no Brasil, conheço dois casos que morreram com os processos criminais (lentamente) tramitando contra eles.

Não estou com uma sanha justiceira, de maneira alguma. Mas creio que todos os que lutam para que os direitos humanos não sejam um monte de palavras bonitas emolduradas em uma declaração cinqüentenária não se sentiram contemplados com o passamento de Pinochet, do Coronel, dos escravagistas. Não quero uma saída "Nicolas Marshall", de justiça com as próprias mãos. Quero apenas que a justiça funcione.

É pedir muito?

Pinochet em Santiago 1988/AFP

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.