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Leonardo Sakamoto

Um deputado sustentaria 377 escravos por mês

Leonardo Sakamoto

15/12/2006 18h28

Estava voltando de viagem hoje quando ouvi no rádio um nobre deputado defendendo o aumento salarial de 91%, que levou os seus vencimentos a R$ 24.500,00 mensais.

A sua família é grande, a distância das Alagoas, seu curral eleitoral, é grande, o número de obrigações de correio e gasolina são grandes… Grande também é a cara-de-pau.

Já disse isso em outro post e vou dizer de novo: a elite política brasileira perdeu o resto do pudor que guardava no bolso do paletó. Tão andando nus, sem vergonha de ser feliz, diante do povaréu.

Esse valor dá 70 salários mínimos. Em números redondos, sem decimais. Ou seja, parece até que a escolha foi de propósito.

Se considerarmos R$ 65,00 como custo mensal de "manutenção" de um escravo em uma fazenda de gado na Amazônia, teríamos um salário de um deputado garantindo o serviço de 377 trabalhadores.

(Calculei sem critério científico o valor da alimentação, com base em anotações mensais de cadernos de dívidas apreendidos dos "gatos", os contratadores de mão-de-obra a serviço dos fazendeiros. Isso, por coincidência, deu mais ou menos um dólar por dia.)

Na verdade, os nobres deputados garantem a manutenção de mais escravos do que isso sem precisar tirar um real ou dólar de seus bolsos. Pois sentaram com as gordas nádegas em cima de projetos de leis que ajudariam a libertar gente, como o que prevê que terras em que escravos forem encontrados sejam confiscadas para a reforma agrária.

Isso sem contar que muitos deles, além dos salários, recebem também a cada quatro anos uma pensão de grandes fazendeiros para representá-los. Ou melhor dizendo, fazer a função de leão-de-chácara da manutenção de um estrutura que garante a exploração da ralé.

Eles são bem pagos para fazer esse serviço sujo. E isso eles têm feito de forma exemplar.

A elite política está nua, ou no máximo vestindo um tapa-sexo com os dizeres: "Dinheiro e Poder".

E o resto que se dane.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.