E lá se vai o Pantanal...
Em 1971, abriram a estrada. Antes, era um caminho de carro de boi. "Depois que passou a Pantaneira, acabou o caminho. Mas acabou também o carro de boi, né?" Nos últimos 70 anos, Lucília Rondon viu o mundo de fora chegar à porta de sua casa e tocar de lá o mundo que ela conhecia. No início, serviu refeições aos trabalhadores quando estes vieram abrir a rodovia Transpantaneira, ligando Poconé (MT) a Porto Jofre. Hoje fabrica compotas de frutas para hotéis e turistas. Não sabe se o sobrenome do falecido marido vem do marechal que passou por aquelas terras. O certo, porém, é que a família está lá há mais tempo que o fio do telégrafo que Cândido trouxe.
Há alguns anos, passei um mês no Pantanal fazendo uma reportagem sobre as mudanças que a região vem sofrendo. O "progresso" – palavra que vem sendo usada de forma infeliz na periferia do mundo para justificar a pilhagem – está fazendo cada vez mais vítimas nessa planície entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
O "mundo de fora", na busca pelo crescimento rápido, está alterando tudo de maneira definitiva, colocando em risco o ecossistema, as populações ribeirinhas e o futuro do seu próprio desenvolvimento. Acham que o meio ambiente agüenta porrada indefinidamente. Um bom exemplo de que não agüenta é o assoreamento do rio Taquari, devido à agricultura irracional nas franjas do pantanal.
A última idéia que tem tudo para não dar certo é a implantação da usina siderúrgica do grupo EBX, do empresário Eike Batista, na região de Corumbá. É aquele projeto que foi expulso pelo governo boliviano por, entre outras coisas, ter um potencial de grande impacto ao meio ambiente.
É difícil acreditar que a usina se contentará com o eucalipto de reflorestamento para produzir carvão e, conseqüentemente, ferro-gusa. O mais provável é que, assim como siderúrgicas em outras regiões do país, comece a comer também a vegetação nativa.
Isso sem contar que a termelétrica que vai ser construída para abastecer de energia a usina também oferece riscos de contaminação para a maior planície alagável do planeta.
O restrospecto do governo de Zeca do PT à frente do Mato Grosso do Sul não foi nada bom. Vale lembrar a batalha pela instalação de usinas de cana-de-açúcar nas beiradas do Pantanal. Batalha que teve pelo menos um morto: Francisco Ancelmo de Barros. Para protestar contra o projeto 170/05 do governo do estado, que previa a instalação de usinas de álcool na região, ele ateou fogo ao próprio corpo no dia 12 de novembro de 2005.
A morte e a conseqüente pressão popular levaram a Assembléia Legislativa a engavetar o projeto.
Zeca se vai com o final do ano. Não posso dizer que deixará saudades. Mas com o aumento do interesse do mundo em nossas commodities, do gusa ao álcool, é difícil prever por quanto tempo o Pantanal vai agüentar à pressão do "progresso".
Na época da minha reportagem, Lucília disse que tinha se cansado de lutar. Pois, o que ela enxerga, além do ciclo das cheias, não é tão hospitaleiro como antes. O mundo de fora está chegando, e mudando tudo.
"Ali, era um arraial de povo. Tinha festa demais, de Conceição, de São Benedito, de São João. Cada família fazia a festa de um santo na sua casa. Era a coisa mais bonita do mundo. Dançava cururu, siriri, brinquedo de roda, baile de sanfona. Hoje, se não vier conjunto de Poconé, não tem festa…"
"Fico mordida com isso!"
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