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Leonardo Sakamoto

A esquerda conservadora

Leonardo Sakamoto

21/12/2006 14h15

Um rápido desabafo: cansei de ouvir intelectuais de esquerda que militam por uma sociedade mais justa e humana fazendo coro com o presidente da República e parte do empresariado nacional e internacional ao pedir que o meio ambiente não seja um entrave para o crescimento.

Fazem contas para mostrar que a vida de algumas centenas de famílias camponesas, ribeirinhas, quilombolas ou indígenas não pode se sobrepujar sobre o "interesse nacional". Defendem a energia nuclear como panacéia. Taxam de "sabotagem sob influência estrangeira" a atuação de movimentos e entidades sérias que atuam para que o "progresso" não trague o país.

(Já ouvi esse discurso antes. Mas achei que ele estava enterrado junto com a ditadura militar.)

Valeria a pena pararem para refletir e perceber que o que chamam de "interesse nacional" é, na verdade, o interesse de poucos. Como a implantação de usinas hidrelétricas em regiões de mineração para abastecer a siderurgia de exportação. Antes de pensar em escala macroeconômica, é importante ver o que vai acontecer na realidade da população. E os casos que temos visto não são nada bons.

Recomendo a leitura do Relatório de Impacto Ambiental desses projetos. Há centenas de críticas à implantação da obra, prova-se que as conseqüências à população e ao meio serão imensas, que no longo prazo os empregos gerados não acompanharão o desemprego movido pelas desapropriações de terras. E, no final, vem a conclusão cara-de-pau recomendando o projeto apenas com uma meia dúzia de sugestões para minimizar o impacto. E com um passivo ambiental que não atrapalha ninguém.

Este post não é para defender ONGs, bem pelo contrário. Tem um monte de organizações que agem de forma suspeita, ajudando grandes trandings de commodities a ocupar a planície amazônica. Mas para perguntar: por que uma turma inteligente e esclarecida acha que é o capital do Centro-Sul brasileiro pilhar a Amazônia e o Cerrado é muito diferente do Centro mundial pilhar a Periferia? Os resultados são iguais e a história está aí para mostrar as tragédias causadas quando quem detinha o poder e disse representar a maioria subjugou as minorias.

Sendo que, no Brasil, o que acontece com uma minoria em um vilarejo da Amazônia repete-se metonimicamente por todo o território. O problema é igual, mudam apenas os atores.

O desenvolvimento em curso na Amazônia privilegia apenas uma camada pequena da população. Os lucros advindos da implantação de grandes empreendimentos permanece concentrado na mão de poucos, enquanto o prejuízo é dividido por todos. Vale lembrar o exemplo de municípios como Coari (AM) e São Francisco do Conde, no Recôncavo Baiano, ricos em royalties do petróleo e derivados, mas com baixo índice de desenvolvimento humano. Se a Petrobrás, que é estatal, não se preocupa com a forma através da qual os recursos são distribuídos para a população, imaginem então quando os impostos vêm de emprendimentos privados…

Esse pragmatismo exacerbado, de que são necessários perder os peões para se ganhar uma partida de xadrez, é muito triste. Ainda mais quando vêm de pessoas que, desde a ditadura, lutam pela liberdade e a efetivação dos direitos.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.