Topo

Leonardo Sakamoto

O grande gasoduto do PAC

Leonardo Sakamoto

22/01/2007 14h43

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado hoje pelo governo federal, possui uma série de metas para estimular grandes obras de infra-estrutura. Entre elas, medidas de fomento a gasodutos.

Para entender os desdobramentos dessa proposta, deve-se observar as negociações em curso para a construção do Gasoduto do Sul – o gigantesco encanamento que ligaria Porto Ordaz, na Venezuela, até a Argentina e o Uruguai, cruzando o território brasileiro e meia Amazônia. Mais de 9 mil quilômetros de tubos, custando algo em torno de 20 bilhões de dólares.

Há pressa para que ele saia do papel: na reunião de Cúpula do Mercosul, realizada na semana passada no Rio de Janeiro, o presidente da Argentina cobrou a definição desse projeto pelo bem comum dos países membros do bloco.

E apesar do projeto não ter sido nominalmente citado no PAC, o programa garante bases para alavancar o projeto.

O Gasoduto do Sul possui vários defensores no Brasil, principalmente após a Bolívia começar o seu (mais do que justo) processo de nacionalização da exploração do gás natural. Outra coisa que deve mudar em breve é o fato do Brasil pagar menos pelo produto boliviado que outros consumidores.

Eu havia escrito há quase um ano que o gasoduto pode se transformar em um vetor de desmatamento da Amazônia – caso siga o padrão de implantação de projetos na região. E, até agora, as discussões não incluíram provas convincentes de que os impactos sociais e ambientais da obra não serão devastadores, demonstrando apenas o ufanismo da integração regional.

Que tipo de integração é essa que nasce do preceito de que uma minoria pode sair prejudicada se for por um "bem maior"? Essa não é a mesma lógica de multinacionais que agem nos países da periferia, expulsando comunidades e poluindo ecossistemas para a implantação de seus projetos?

Sem querer ser pessimista, os acontecimentos estão caminhando para a criação de um fato consumado, irreversível. Infelizmente, o Brasil ainda repercute um projeto de forma simplista, colocando em um dos pratos da balança as comunidades locais atingidas e, do outro, as pessoas que serão beneficiadas após a finalização da obra. Normalmente nossos planejadores verificam apenas se o segundo prato está mais pesado que o primeiro e tocam em frente, dando pouco valor ao que chamam de "danos colaterais".

Diretores da Petrobras afirmam que o trajeto não atravessará mata fechada, mas ambientalistas questionam a afirmação. O roteiro não atravessaria parques e reservas florestais existentes, mas passaria por florestas, igarapés e rios com baixa ocupação. E incluiria reservas indígenas, como a Waimiri Atroari, entre os Estados do Amazonas e de Roraima.

"Queremos continuar crescendo de maneira correta, porém de forma mais acelerada. Crescer de forma correta é crescer diminuindo a desigualdade entre as pessoas e as regiões, é crescer distribuindo renda, conhecimento e qualidade de vida", disse Lula, hoje, durante seu discurso de lançamento do PAC. Vale lembrar, presidente, que crescer de forma correta inclui também dizer "não" ao que parece ser uma bela idéia, se ela for obrigatoriamente lastreada por absurdos sociais e ambientais.

PS: Para quem gosta de lembrar dos royalties pagos aos municípios em que há produção, refino ou transporte de derivados de petróleo como uma boa compensação, lembre-se que na Amazônia isso não tem dado muito certo. A população pobre de Coari (AM) ficou sem ver muito do dinheiro que era pago ao município, base para exploração da província petrolífera de Urucu. Foi para o bolso de alguém e a Petrobrás fez que não viu.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.