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Leonardo Sakamoto

Pacote da Cidadania

Leonardo Sakamoto

24/01/2007 11h07

O jornal O Globo, de hoje, trouxe uma notícia que fala sobre um "Pacote de Cidadania" que o governo federal pretende lançar para compensar a área social, não contemplada no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Entre as medidas a serem tomadas, segundo o jornal, está "agilizar acordos celebrados entre o Ministério do Trabalho e outras áreas para que os trabalhadores que foram libertados pelo Grupo Móvel de Fiscalização sejam contemplados com o Bolsa Família, tenham acesso ao seguro-desemprego e também possam participar do programa Brasil Alfabetizado, do Ministério da Educação".

Alguns comentários:

1) O seguro-desemprego já é concedido regularmente a todos os trabalhadores encontrados em situação de escravidão, desde 2003, graças ao Ministério do Trabalho e Emprego. Garante aos libertados que recebam três meses de salário, o que não resolve a situação de miséria que estava entre os motivos que o levou a ser escravizado, mas é uma ajuda importante no seu retorno para casa. Se isso for colocado como meta do plano, vai apenas batizar de novo a criança já nascida.

2) No dia 13 de dezembro de 2005, em cerimônia no Palácio do Planalto, com a presença do presidente Lula, o Ministério do Desenvolvimento Social assinou um protocolo de cooperação para garantir a concessão do Bolsa-Família aos resgatados da escravidão. Em julho de 2006, cobrado pela demora de pôr em prática essa ação, o MDS se justificou afirmando ser difícil encontrar os trabalhadores já resgatados. O que não é verdade.

Entre os libertados da escravidão, há os chamados "peões de trecho", trabalhadores sem residência fixa, que vivem de fazenda em fazenda. Eles são realmente difíceis de serem encontrados. Mas a grande maioria dos escravizados é de trabalhadores que voltam para a sua casa e sua família. O cadastro deles já foi repassado pelo Ministério do Trabalho e Emprego ao MDS há tempos. Fica a pergunta: Se até uma entidade privada, o Instituto Carvão Cidadão, conseguiu encontrar e contratar egressos do trabalho escravo para as suas siderúrgicas, por que a lentidão do próprio governo?

3) O Ministério da Educação firmou um convênio com a Organização Internacional do Trabalho para atuarem conjuntamente no combate ao trabalho escravo. Da mesma forma, há projetos sendo estruturados em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego e organizações da sociedade civil. A participação do MEC é fundamental, pois não se erradicará a escravidão sem uma atuação forte na área da educação.

Como o governo ainda não se manifestou sobre o assunto, não é possível saber se e quando esse Pacote aparecerá. Mas vale a pena deixar algumas coisas claras, para ajudar o próprio governo a se lembrar do que já fez e do que falta fazer para pouparmos tempo e dinheiro.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.