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Leonardo Sakamoto

Pataxó Hã-Hã-Hãe é ferido a bala em retomada na Bahia

Leonardo Sakamoto

27/01/2007 23h05

Do Conselho Indigenista Missionário:

"O indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe Alcides Francisco Filho, mais conhecido como "Piba", foi ferido a bala na coxa direita, em conflito com pistoleiros na Fazenda do invasor Marcos Andrade, no município de Itaju do Colônia, na madrugada do dia 27 de janeiro de 2007. Alcides foi socorrido no hospital do município de Pau Brasil e transferido para o Hospital de Base, em Itabuna, onde foi medicado e liberado em seguida. Ele retornou para Pau Brasil, na região de Água Vermelha, sob os cuidados da Funasa.

No mesmo episódio, José Raimundo de Oliveira, 30 anos, casado, dois filhos, foi espancado a socos e pontapés, ficando em poder dos jagunços por mais de 12 horas, e só teria sido libertado porque disse que não era índio.

Piba e José Raimundo foram hoje (29/01) à sede da Policia Federal em Ilhéus para prestarem depoimento. O Chefe de Posto da Funai em Pau Brasil, Wilson Jesus, informou que uma equipe com representantes do Ministério da Justiça e Funai está viajando de Brasília para discutir e encaminhar questões referentes aos conflitos fundiários que envolvem os índios.

Segundo informações de Alcides Filho à equipe do Cimi em Itabuna (BA), a retomada de terras que gerou o conflito aconteceu em 23 de janeiro. A retomada não foi divulgada antes porque foi realizada em região de difícil acesso e havia presença constante de pistoleiros.

Ainda de acordo com o Pataxó Hã-Hã-Hãe, eles realizaram a ação por que a área retomada é passagem deles para as suas roças e, quando iam trabalhar, eram ameaçados por pistoleiros à serviço do fazendeiro.

A comunidade responsabiliza o fazendeiro Marcos Andrade por um incêndio provocado em janeiro de 2006, em áreas ocupadas pelos índios. Relatam que nenhuma providência foi tomada apesar das denuncias no Ministério Público Federal em Ilhéus.

Na região do conflito, os indígenas viviam em quatro fazendas que tiveram suas benfeitorias indenizadas pela Funai, após retomadas feitas pelos Pataxó-Hã-Hãe. Agora, os índios não estão conseguindo voltar para estas terras, porque os pistoleiros a serviço do invasor Marcos Andrade continuam fazendo ameaças.

Agentes da Policia Federal estiveram na região do conflito no sábado à tarde (27/01).

Histórico
O índio Alcides Francisco tem 55 anos, é casado e tem quatro filhos; já foi cacique da Aldeia Bahetá, no município de Itaju do Colônia. A Aldeia Bahetá localiza-se no antigo Posto Caramuru, originário do SPI, às margens do Rio Colônia. É a aldeia onde sobrevivem de forma precária os filhos e netos dos antigos Hã-Hã-Hãe e Bainã, que foram caçados e aldeados neste local. Lá residem cerca de 15 famílias que reclamam, cotidianamente, do abandono e da falta de assistência dos órgãos públicos (principalmente Funai e Funasa). É nessa aldeia que está enterrada a última índia que falava a língua Hã-Hã-Hãe, a Índia Bahetá. Também nessa aldeia, nos anos 90, o deputado federal e médico Roland Lavigne, à caça de votos naquela região, esterilizou todas as mulheres da aldeia, fato este que sensibilizou o Brasil inteiro e o mundo, e que segue, até hoje, sem punição. Nessa época, Alcides era o cacique da aldeia.

Além da falta de assistência, os índios reclamam da falta de terra para sua sobrevivência. Em janeiro de 2006, a maioria das lideranças Pataxó Hã-Hã-Hãe fizeram várias retomadas na Serra das Alegrias, no município de Itaju do Colônia, sendo que um dos objetivos era dividir as fazendas com a comunidade da Aldeia Bahetá.

A fazenda em questão já foi retomada em 2003 por um grupo Pataxó Hã-Hã-Hãe, liderado por Luís Titiah, e foi retirada dali por força de uma decisão judicial liminar. Na época, houve ameaças contra os indígenas e quase ocorreram conflitos. Em janeiro de 2006, os índios foram novamente ameaçados nessa mesma região. Por ser uma região altamente promissora na criação de gado, os fazendeiros de Itaju do Colônia são bastante organizados e exercem um forte poder de influência e de reação ao avanço dos índios na retomada do território dos 54.100 hectares.

A terra Pataxó Hã-Hã-Hãe é objeto de um processo de nulidade de títulos cedidos pelo governo da Bahia e que tramita há mais de vinte anos no Supremo Tribunal Federal."

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.