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Leonardo Sakamoto

E a Amazônia continua campeã em homicídios

Leonardo Sakamoto

28/02/2007 09h19

Ontem foi divulgado estudo da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), que anualmente compila dados sobre mortes violentas no país com base nos registros de óbitos do Ministério da Saúde. Quem pesquisa a área de violência no Brasil sabe que as informações do Datasus são das mais confiáveis.

Onde estão os municípios com o maior número de homicídios? Dos dez primeiros, cinco ficam na região conhecida como o "Arco do desflorestamento" – onde a Amazônia perde terreno para os empreendimentos agropecuários. Colniza (1º), com 165,3 mortes por 100 mil habitantes entre 2002 e 2004, Juruena (2º), com 137,8, São José do Xingu (5º), com 109,6, Aripuanã (8º), 98,2 – todos no norte do Mato Grosso – e Tailândia (7º), com 104,9, no Pará. Para efeito de comparação, os municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo estão na 107º e 182º colocações, com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes de 57,2 e 48,2, respectivamente.

O mapa da violência divulgado mostra que há uma concentração de homicídios nesse arco que vai de Rondônia até o Pará e Maranhão também se for considerada a região e não o município.

O estudo vem a se somar aos dados já existentes que apontam que há uma relação entre a expansão agrícola na Amazônia com assassinatos rurais, desmatamento e trabalho escravo. Estudo publicado pela Organização Internacional do Trabalho no ano passado já havia apontado a ocorrência dessa relação tripla com base em dados da Comissão Pastoral da Terra, Ministério do Trabalho e Emprego e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Na época, o município campeão em área desmatada, São Félix do Xingu (PA), também era o primeiro em número de ações de libertação de trabalhadores escravos. A região da fronteira agrícola leste do Pará possui 12 municípios entre os 150 com maiores índices de homicídios.

As discussões que começam a ser feitas após a publicação do estudo colocam a responsabilidade por isso na impunidade e na ausência do Estado na região. Na verdade, o problema é mais embaixo. Passa pela forma agressiva e predatória através da qual o capital ocupa a região, sem se preocupar com as conseqüências para o meio ambiente, para a vida das populações residentes no local e dos trabalhadores rurais que servem de mão-de-obra para esse avanço. Esse capital derruba o que estiver no seu caminho, sejam árvores ou pessoas.

O prefeito de Colniza, Adir Ferreira (sem partido), em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo afirmou: "Aqui há crime organizado, que age na grilagem de terras (…) Matam para extrair madeira".

No Norte do Mato Grosso, cresce a presença da soja e da pecuária bovina. Mais à leste, temos incidência de cana-se-açúcar. No Pará Oriental e Maranhão, aumentam as áreas destinadas à pecuária, à soja e à produção de carvão vegetal para as siderúrgicas do Pólo Carajás. O Estado está presente sim nessas regiões para grandes produtores, grandes grileiros, grandes industriais, estimulando através de crédito e favorecendo a produção através de políticas agrícolas para o latifúndio que gera "desenvolvimento" e saldos na balança comercial. Que faz do Brasil o país das commodities. E ausente ao restante da população. É um Estado que atua, portanto, como um restaurante "self-service", que escolhe o que lhe agrada e deixa na bandeja, às moscas, o que não.

As mesmas respostas aos problemas continuam a serem ouvidas: aumentar policiamento, condenar os criminosos, endurecer a legislação penal. Considerando que há uma grande número de policiais na Amazônia que atuam também como jagunços em fazendas (são muitas as histórias dos que, nas horas vagas, caçam escravos fujões), isso seria um favor aos fazendeiros. Considerando que parte desses criminosos possui assento ou representação política em câmaras municiais, assembléias e no Congresso Nacional condená-los seria muito difícil e fazer com que aprovassem leis que atuem nas causas do problema, ou seja, dêem um tiro no seus próprios pés, seria um sonho distante.

Agora, ver do Estado ações efetivas e não cosméticas que apontem mudanças no modelo de desenvolvimento para a região amazônica já seria considerado um verdadeiro milagre.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.