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Leonardo Sakamoto

Pai, o que é emprego?

Leonardo Sakamoto

26/03/2007 10h14

Além de beneficiar os empregadores que querem terceirizar seus empregados (ou legalizar os já terceirizados), a emenda 3, que tira poder da fiscalização do trabalho, vai funcionar como ponta-de-lança para outras mudanças.

Ela, por si só, já é uma reforma trabalhista. Abre a porteira para regularizar de vez a situação das pessoas que criam empresas para ganhar o salário. Não estou falando de pessoas jurídicas, como escritórios de advocacia, que prestam serviço para vários clientes, mas dos advogados que trabalham nesses escritórios, respondem a um chefe, batem cartão e são obrigados a abrir uma PJ para funcionar. E dos vários "coopergatos" que estão por aí, explorando trabalhadores usando fraudulentamente a bandeira do cooperativismo e da economia solidária.

A emenda serve para que as empresas alcancem a taxa média de lucro do setor, melhorando a competitividade ou remendando uma péssima administração. Nas redações da mídia (que está em plena campanha pela emenda), uma grande quantidade de empregados recebe o piso da categoria, enquanto a parte de cima é remunerada na casa dos seis dígitos. Se o bolo de dinheiro fosse distribuído de forma justa ou democrática dentro das empresas, poderíamos discutir a emenda 3 em outros termos, mas esse está longe de ser o caso.

(Aliás, em outros países, as redações já teriam entrado em greve por causa de uma lei como essa. Aqui os jornalistas não só ficam quietos com medo de perder o emprego, como são obrigados a veicular os editoriais dos chefes a favor da lei.)

Mas virão outras mudanças. Colocar a emenda 3 em vigor pode aumentar ainda mais o rombo da previdência, pois vai haver diminuição na taxa de carregamento do INSS. Idem para o FGTS, cujo caixa financia a casa própria e vai bancar o PAC do Lula. Com isso, poderão surgir outros projetos de leis draconianos para resolver os problemas causados pela emenda 3, como diminuir as aposentadorias abaixo do suficiente para sobreviver (como se já não fosse assim).

Esses projetos não serão emergenciais, pelo contrário. Já fazem parte de uma mesma política para diminuir o poder que o Estado tem de garantir que o empresariado tenha um patamar mínimo de bom senso.

É insaciável a fome dos que querem reformas trabalhistas. A emenda 3 não vai ser suficiente. Com o aumento da competição, cresce também a precarização do trabalho e com ela o discurso da necessidade de desregulamentação, ou seja: pá de cal nos direitos adquiridos e vamos embora que o mundo é uma selva.

Nesse ritmo, não me espantaria ver anúncios estampados em página dupla nas revistas semanais de circulação nacional dizendo: "O Banco X pensa em seus empregados. Ele paga 13º salário. Isso sim é responsabilidade social". E nossos filhos olharão para aquilo e, espantados, perguntarão: "pai, o que é emprego?!"

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.